sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

"Ser justo não tem nada a ver com o cargo de juiz"

O Conselho Nacional de Justiça exagera no seu poder de punir enquanto o Conselho Nacional do Ministério Público faz vista grossa para infrações cometidas por promotores e procuradores. O resultado desse desequilíbrio são acusadores implacáveis e juízes amedrontados.

A análise crítica é de Ali Mazloum, juiz federal há quase 20 anos e também vítima de uma investigação bem divulgada e mal feita que só foi para o arquivo quando chegou ao Supremo Tribunal Federal. Ele e seu irmão Casem Mazloum foram afastados do cargo de juiz por acusação fantasiosa de venda de sentenças, na operação anaconda. Ministros do STF classificaram a denúncia como inepta, bizarra, cruel. Os dois voltaram ao cargo.
Ali Mazloum ficou três anos fora das funções e diz que “estar dos dois lados do balcão” mostrou o quanto é nocivo para o direito de defesa o juiz se aliar à Polícia ou ao Ministério Público no processo. O papel do juiz é assegurar um processo justo, reforça Mazloum.
“Se justiça significar a absolvição, o acusado será absolvido mesmo que eu esteja na mira de um revólver. Da mesma forma, se ser justo significa condenação, então condenarei ainda que sob as piores ameaças ou em prejuízo da carreira”, deixou claro em entrevista à ConJur.
O titular da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo foi responsável pela condenação no ano passado de Protógenes Queiroz, o idealizador da operação satiagraha, deflagrada para investigar acusações de evasão de divisas e lavagem de dinheiro contra o banqueiro Daniel Dantas e que foi derrubada pelo Superior Tribunal de Justiça, por irregularidades nas provas.
Em decisão de 46 páginas, Ali Mazloum aceitou o inquérito conduzido pelo delegado Amaro Vieira Ferreira. De acordo com o documento, Protógenes divulgou conteúdo da investigação coberta por sigilo e teria forjado prova usada em Ação Penal da 6ª Vara Federal. De acordo com a sentença, houve "práticas de monitoramento clandestino, mais apropriadas a um regime de exceção, que revelaram situações de ilegalidade patente". Hoje, Protógenes Queiroz é deputado, pelo PCdoB.
Durante a entrevista, o juiz federal também falou sobre a falta de criatividade de integrantes do Judiciário, que preferem aguardar mudanças legislativas a pensar estratégias de resolver a situação do próprio gabinete, da própria vara.
Contra a apatia, em 2007, arregaçou as mangas e criou o que chama de processo-cidadão. Tinha 4 mil processos e não sabia dizer em quanto tempo eles receberiam uma decisão. Hoje, tem 250 ações em seu gabinete e as partes já sabem que em 10 meses a sentença será assinada pelo juiz.
Entre os métodos usados, como contou à revista Veja, está o de fazer com que o réu garanta a presença das testemunhas de defesa no dia da audiência. Os seus auxiliares também são instruídos a usar torpedos, e-mails e ligações para garantir a presença das partes. “Hoje minha equipe abraça nosso método de trabalho com muito carinho e está sempre motivada para dar marcha ao serviço de forma eficaz.”
Ali Mazloum é filho da dona de casa Kadige e do mascate Mohamad Mazloum. O casal saiu do Líbano onde eram lavradores para tentar a vida no Brasil. Aos 27 anos e sem saber português, o pai vendia roupas, cobertores e toalhas na Vila Formosa, bairro da zona leste de São Paulo. Dos oito irmãos, cinco entraram para o sistema judiciário brasileiro. Saad, Nadim e Omar são promotores de Justiça. Casem passou 19 anos na Justiça Federal e decidiu guardar a toga em fevereiro deste ano. Hoje, ele se dedica à advocacia e à ONG ABC dos Direitos (Associação Brasileira da Cidadania e dos Direitos Elementares).
Hoje, Ali Mazloum passa uma temporada em Portugal. Passou em primeiro lugar no concurso feito pela AMB de mestrado. Está licenciado até as suas aulas presenciais terminarem, em junho de 2012.
Leia a entrevista, clique aqui. 
Lilian Matsuura é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Márcio Chaer é diretor da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2011

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