2011-12-02
Ciência Hoje - Por Susana Lage (texto e fotos)
Antes de mais, para aqueles que “trocam tudo”, convém esclarecer:“Criminalística é o estudo do crime através das ciências exactas e Criminologia é o estudo do crime através das ciências sociais e humanas”. Quem o diz é José Manuel Anes, que foi criminalista durante duas décadas e que hoje, apesar de reformado desta profissão, tem um dia-a-dia “caótico”dadas as múltiplas funções que acumula enquanto químico antropólogo.
“Nunca trabalhei tanto!”, revela. E explica que isto acontece porque nunca está no mesmo sítio. Anda “a saltar de um lado para outro” entre as reuniões no Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo, a direcção da revista «Segurança e Defesa», as aulas na Lusíada de Lisboa e do Porto e no Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz no Monte da Caparica, onde dá Análise da Cena do Crime.
Do seu único casamento tem uma filha e, desde que se divorciou, há 22 anos, vive na Costa da Caparica numa moradia cheia de livros. “É livros na cozinha, na casa de banho, no quarto, em todo lado. Isto é preocupante porque qualquer dia fico refém destes livros e não consigo sair de casa”, diz a rir.
Jovem rebelde
Alfacinha 'de gema', nasceu na freguesia de Arroios, no dia 21 de Junho de 1944. “Quando era miúdo queria ser violinista ou marinheiro”. Violinista, porque adorava música clássica e ainda hoje, na sua página doFacebook, “é só música clássica”. Marinheiro, porque adora viajar e tem“um herói que é o Corto Maltese” com quem ‘partilha’ o gosto da “aventura pelo desconhecido”.
Andou no liceu Camões, em Lisboa, numa turma “excepcional” de “futuros literatos”, entre eles Eduardo Prado Coelho, o escritor Mário de Carvalho e João Lobo Antunes. Seguiu ciências mas manteve sempre uma ligação à literatura. “Estudava ciências e entusiasmava-me a literatura”, diz.
Acabou o liceu e foi para a Universidade Técnica de Lisboa para engenharia química mas, ao fim de três meses, “estava a fugir” de lá. “Aquele ambiente era horrível, parecia um colégio militar, tínhamos de andar de gravatinha e naquela altura eu era um jovem rebelde e não achei graça”, lembra. Foi assim que pediu“auxílio” à Faculdade de Ciências.
Tirou o bacharelato em Físico-Química e em seguida foi chamado para a tropa, em Angola, em 1968. “Tive sorte porque nunca disparei um tiro e só os ouvia ao longe. Fiquei em Luanda e fazia reabastecimentos, uma vez por mês ía para a zona de combate”, conta.
Na vida do crime
Regressou a Portugal e voltou para a Faculdade para terminar a licenciatura. Em 1973 foi para o Instituto de Química-Física e Radioquímica fazer investigação, mas começou com “acumulações típicas” da sua vida até hoje: dava aulas como assistente na Faculdade de Medicina de Lisboa e fazia parte da “primeira equipa interdisciplinar que deu biomatemática”. Com a “agitação política” que começava a surgir no País, decidiu concorrer a uma bolsa do governo espanhol e ficou em primeiro lugar. Assim, foi para Espanha onde ficou mais de um ano num laboratório de Física-Química e frequentava umas cadeiras de pós-graduação na Faculdade Complutense de Madrid.
Entretanto, como a bolsa “era curta em tempo e dinheiro” teve de regressar a Portugal e procurar emprego.“Respondi a muitos anúncios, até que um dia recebi em casa uma carta da Polícia Judiciária: Queira comparecer para umas provas de admissão ao lugar de Técnico Superior de Laboratório da Polícia Científica”, descreve. Corria o ano de 1978 e a este cargo concorreram 300 pessoas. Ao fim chegaram duas, José Manuel Anes e António Calado, mas este último desistiu porque arranjou um lugar de assistente da Faculdade de Farmácia. Ainda hoje, "António Calado diz que foi o responsável por me meter na vida do crime”, afirma entre risos. “E é verdade, tive 20 anos na polícia científica, a fazer investigação aplicada, isto é, a utilizar métodos analíticos e outros ao estudo do crime, exactamente como o CSI (série televisiva) mas real”.
Entre várias reformas tecnológicas ao serviço do laboratório da polícia científica, José Anes introduziu o microscópio electrónico de varrimento analítico com análise de RX. Este aparelho “fantástico” permitia, por exemplo, analisar uma bala e encontrar vestígios de cal e assim descobrir que a mesma tinha raspado numa parede.
Vinte anos depois reformou-se e enveredou pelo ensino novamente. Ainda no laboratório da polícia científica, concorreu a um lugar de assistente convidado para a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, onde ficou até 2004/5. “Grande parte do tempo dei aulas no departamento de Antropologia e mais tarde na Ciência Política”, diz. Ao mesmo tempo, decidiu também estudar as coisas que o interessavam: “correntes mágicas, esotéricas, magias primitivas e modernas”, etc. Neste caminho, acabou por fazer o doutoramento sobre Antropologia da Religião.
Alquimia, esoterismo e xamanismo
A escrita surgiu nos anos 90. “Quando estava na Faculdade de Ciências a estudar a História da Química entusiasmei-me muito pelo período da alquimia e comecei a estudar e a escrever sobre isso”, lembra. “Há questões interessantes que são as capacidades paranormais e isto aprende-se na Antropologia, é uma das fases dos xamanismos e das drogas, etc.”, refere.
Apesar de hoje não ter tempo para escrever afirma que há-de voltar a fazê-lo. “Já escrevi seis ou sete livros, colaborei em mais de trinta e vou escrever mais de certeza”, garante. Hoje com “67 anos muito gastos” já tem um livro encomendado e“praticamente pronto” sobre Esoterismo e pretende escrever outro sobre “as novas ameaças, que é o caso do crime organizado”.
Para além destes projectos, “enquanto tiver capacidade” vai continuar a dar aulas porque intelectualmente está “melhor do que há dez anos”. Não é magia, o ‘segredo’ está nas multi-vitaminas que toma há 15 anos.
Para terminar a conversa, este simpático cientista cita uma das suas frases preferidas de Fernando Pessoa e deixa 'no ar' o suspense típico dos enredos do CSI: “O mito pode não ser verdade mas ser verdadeiro”.
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