As três razões básicas para a morosidade na Justiça são: o sistema recursal, a falta de infraestrutura para atender a demanda cada vez maior e os juízes que não trabalham. O resumo foi feito pelo desembargador Walter de Almeida Guilherme, que deixou a presidência do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo na última quinta-feira (24/11) e retornará ao seu gabinete no Tribunal de Justiça paulista em janeiro, quando volta de férias. Em seu lugar, assumiu o desembargador Alceu Penteado Navarro, da 9ª Câmara Criminal do TJ, que aguarda a indicação de um novo desembargador ao TRE-SP, para com ele concorrer à presidência do Biênio 2012/2013.
Em entrevista à revista ConJur, Walter Guilherme defende as férias de 60 dias para a magistratura, mas critica a greve dos juízes federais — nesta quarta-feira (30/11) em todo o país — porque acredita que o Judiciário tem uma função permanente e a paralisação não é o meio mais adequado para atingir os objetivos perseguidos.
Entre tantos outros temas, o desembargador discutiu a PEC dos Recursos e disse que o Conselho Nacional de Justiça faz um bom trabalho quando não invade a esfera jurisdicional.
Walter de Almeida Guilherme tem 66 anos, formou-se pela Faculdade de Direito da USP aos 23 anos e integra a magistratura desde 1989, quando foi nomeado para uma vaga do quinto constitucional do Ministério Público. Hoje, é titular da Academia Paulista de Magistrados, e com a saída do TRE-SP, retorna para a sua cadeira no TJ-SP.
Leia a entrevista:
ConJur — A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, recentemente defendeu a redução de férias dos juízes de 60 para 30 dias. Qual a sua opinião?
Walter de Almeida — Primeiro: quase nenhum juiz passa 60 dias de férias, porque a alta demanda de processos não permite. Quando estamos de férias não recebemos processos, mas ainda damos atenção aos que estão em andamento. Eu estou no meu primeiro dia de férias e terei que ligar para o gabinete para ver a situação dos que lá estão. Segundo: ser juiz é um muito desgastante. É preciso avaliar, ler as provas uma, duas, três vezes, e julgar. No meu ponto de vista, 60 dias são necessários para se recompor.
ConJur — Está marcada para esta quarta-feira o início de uma greve de juízes federais. Os juízes devem fazer greve?
Walter de Almeida — Não. O Judiciário tem uma função permanente. Por mais que a reivindicação seja justa, pois a defasagem de salário existe, não acredito que a greve seja o caminho mais adequado para o pleito.
ConJur — Qual a sua opinião sobre a PEC da Bengala?
Walter de Almeida — Sobre isso eu ainda não tenho uma posição firmada. Penso que nós avançamos muito com relação a qualidade de vida da pessoas. Muitas chegam aos 70 anos e passam por essa idade com bastante vitalidade podendo ainda contribuir bastante. Mas por outro lado, 45 anos de magistratura é muito estafante e cansativo. Não sei se passado todo esse tempo, o juiz ainda tem aquela vontade de ler todo o processo com afinco. Posto estes dois lados da moeda, ainda não cheguei a um consenso com relação a esta questão.
ConJur — O senhor é a favor da aprovação da PEC do Peluso?
Walter de Almeida — Sim. Não vejo a PEC arranhando a ampla defesa e o contraditório como alguns defendem. Pelo contrário, ela vem para dar celeridade ao Judiciário. Temos um sistema recursal complexo e que muitas vezes contribui para o protelamento de uma decisão. Claro que este não é o único motivo, mas contribui para que o Judiciário tenha essa fama de moroso. Claro que sempre deve haver a possibilidade do Recurso Extraordinário por violação à Constituição, mas a PEC deve trazer benefícios ao Judiciário brasileiro.
ConJur — O que faz o Judiciário moroso?
Walter de Almeida — O sistema de recursos, a falta de infraestrutura capaz de atender as demandas e juízes que não trabalham. São estas as três razões básicas e eu não excluo o juiz, pois ele é uma parte importante dessa morosidade.
ConJur — O projeto do novo Código de Processo Civil pretende implementar uma espécie de Lei de Recursos Repetitivos no Tribunal de Justiça. Os processos sobrestados aguardariam a decisão nos recursos escolhidos e, a partir dela, todas receberiam a mesma decisão. Como o senhor avalia a proposta?
Walter de Almeida — Isso vai dentro da mesma perspectiva da PEC do Peluso: “reduzir o número de instâncias” para que a decisão saia o mais rápido possível sem prejuízo da análise. Não sei se isso é possível, mas se for que seja bem vindo, vai ao encontro dos anseios da sociedade e dos próprios magistrados que querem um Judiciário mais rápido. Já dizem por aí que decisão com trânsito em julgado em processo criminal é um verdadeiro mito, nunca se chega. É por isso que sempre defendi no Tribunal Regional Eleitoral a adoção e constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa.
ConJur — Qual a relação entre a Lei da Ficha Limpa e estas alterações no sistema recursal?
Walter de Almeida — Defendo que, na Lei da Ficha Limpa, alguém que tenha uma condenação em segundo grau já seja uma pessoa inelegível. Alguém que tem uma condenação de um órgão colegiado, já não é uma pessoa que tem condições de representar o povo brasileiro. Isto é uma forma de dizer: chega de recursos! Acaba em segundo grau.
ConJur — Critica-se o ativismo judicial. No caso da Lei da Ficha Limpa, por exemplo, o STF tinha o poder de revogar uma lei de iniciativa popular. O Supremo pode se sobrepor à vontade do povo?
Walter de Almeida — A Justiça Eleitoral tem esse dilema. Mas não haveria necessidade da Lei da Ficha Limpa se nós eleitores estivéssemos suficientemente amadurecidos para votar com consciência. Não pesquisamos os antecedentes de um candidato, não buscamos saber se o que eles diz é verdade. Por isso, o STF teve que assumir esse papel.
ConJur — O senhor concordou com a decisão do ministro Cezar Peluso de colocar a Lei da Ficha Limpa em votação com apenas 10 ministros no Plenário? O que o senhor faria?
Walter de Almeida — Eu teria aguardado mais. Ou então a presidente deveria ter mandado mais rápido ao Congresso o nome que agora indicou, para que quando a lei fosse analisada com quórum pleno. Mas não acredito que a lei volte a Plenário antes da completa composição da casa. Se o ministro Joaquim Barbosa, que pediu vista, levar o recurso ao Plenário antes da chegada do novo integrante, outro ministro deve pedir vista novamente. Mas, claro que seria mais conveniente se a presidente tivesse se apressado e o primeiro voto tivesse sido proferido já com todos presentes.
ConJur — O constitucionalista Luís Roberto Barroso sugeriu a criação de uma prova para selecionar quem pode participar de concursos para juiz, uma seleção prévia dos candidatos. Qual a melhor forma de se escolher juízes?
Walter de Almeida — Sou favorável a algumas mudanças. Nós já tivemos em São Paulo uma lei estadual que exigia como etapa do concurso para juiz a frequência e a aprovação na Escola Paulista da Magistratura. Quem não fosse aprovado nessa etapa, não prosseguiria. Sou adepto desta proposta. Que os aprovados tenham que frequentar os cursos das escolas de magistraturas, seja em nível estadual ou federal, e que estes sejam eliminatórios.
ConJur — Como o senhor avalia a atuação do CNJ?
Walter de Almeida — O CNJ presta um excelente serviço no sentido administrativo e na uniformização de certos padrões de gestão judiciária. Além disso, ajuda os magistrados a conhecerem a sua própria realidade. Nós não sabíamos quantos juízes éramos, quais eram os gargalos, onde estavam as situações mais difíceis de serem resolvidas. Hoje temos algumas dessas respostas. Mas, quando extrapola aquilo que um legislador constituinte derivado colocou na Constituição, quando deriva para exercer uma função praticamente jurisdicional ou uma função normativa, o CNJ não presta um bom serviço. Em linhas gerais, sua colaboração ao Judiciário é positiva.
ConJur — O desembargador José Luís de Palma Bisson declarou durante uma palestra que hoje se fala muito em informatização, mas essa não é uma realidade próxima do TJ-SP, que teria grandes dificuldades na implementação do novo sistema.
Walter de Almeida — Ele tem razão. Mas para entrarmos nessa discussão é preciso debater, antes, a autonomia financeira do Judiciário. O tribunal é carente de recursos. Nós mandamos uma proposta de orçamento e o governador sempre corta pela metade. Mesmo sendo o Legislativo quem tem o poder constitucional de fazer os cortes.
ConJur — Não se vê grandes debates sobre a autonomia do Judiciário. Vocês jogaram a toalha?
Walter de Almeida — Não. Este debate pode não estar em evidência, mas está sempre presente. Na constituinte, o que se pretendia, inclusive pelo próprio Judiciário, é que a Constituição estabelecesse um percentual mínimo de orçamento para o Judiciário, mas não se conseguiu isso. Veio uma autonomia pequena. O Judiciário elabora uma proposta orçamentária e encaminha para o governador que soma todas as propostas dos demais órgãos e, sem cortes, envia para a Assembleia. Parecia algo bom, mas sistematicamente o governador veta as propostas. O Supremo já se manifestou com contrariedade a esta conduta. Mas é um debate eterno.
ConJur — Qual seu posicionamento sobre o ativismo judicial?
Walter de Almeida — O ativismo tem um lado positivo que é preencher as lacunas da lei quando o próprio sistema jurídico permite, como é o caso do Mandato de Injunção para obrigar o Executivo a enviar um projeto ou o Legislativo a votar. Ativismo judicial não é nada mais que isso: um juiz decidindo na ausência da lei quando ele é autorizado a fazê-lo. Fala-se de ativismo quando o Judiciário atua numa área que aparentemente não é dele, mas a própria Constituição permite por meio da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, por exemplo.
Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2011
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