sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Gabriel Maire e Dorothy Stang: a causa do pobre e a preservação da Natureza.

João Baptista Herkenhoff
 
Voltamos a homenagear, nesta página, Gabriel Maire e Dorothy Stang, depois de tantas vezes ter escrito sobre eles, depois de tanto ter falado sobre essas personalidades em comemorações e celebrações. Insistimos nessa lembrança porque a memória é talvez o maior dom humano, eis que nos impede de olvidar tudo aquilo que não pode ser esquecido.
Se vivo fosse, o Padre Gabriel Maire teria completado, no dia primeiro de agosto último, setenta e cinco anos.
Ele morreu na véspera do Natal, em 1989, atingido por uma bala criminosa. Tinha então 53 anos.
No mês de dezembro será celebrado o vigésimo segundo aniversário de sua morte.
Será bem apropriado que comecemos a preparar, no íntimo de nossa alma, a celebração a ocorrer dentro de alguns dias.
Dia de morte é dia de choro e de tristeza quando se trata do falecimento das pessoas comuns. Mas quando se trata de santos ou de herois, dia da morte é dia de glória.
Assim acontece, por exemplo, com Tiradentes, o mártir da Independência do Brasil, diante de quem nos postamos, com reverência, em cada vinte e um de abril, data do seu enforcamento.
Os santos do calendário cristão são relembrados no dia de sua morte, não no dia do seu nascimento, salvo quando não se sabe o dia da passagem. Nesta hipótese, é escolhida aleatoriamente uma data.
Os que mataram o Padre Gabriel Maire deixaram no seu pulso um relógio francês de excelente qualidade. Responda o senso comum, não é preciso que compareça nesta hipótese a sabedoria do criminalista, a argúcia do policial: quem mata para roubar (latrocínio) deixa no pulso da vítima um relógio valioso, tão fácil de ser retirado do braço?
Pondere-se outra circunstância. Pouco antes de sua morte o Padre Gabriel Maire prestou depoimento perante a Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese de Vitória relatando que estava marcado para morrer. A ação pastoral do Padre Gabriel estava contrariando muitos interesses.
Recentemente o Tribunal de Justiça do Espírito Santo determinou a reabertura do “caso Gabriel Maire”, reconhecendo que tinha havido erro na apuração original, que concluiu pela configuração de um latrocínio. O desembargador relator, no momento em que proferiu seu voto, pediu em francês, perdão à família do Padre Gabriel, que reside na França, pelos descaminhos da Justiça capixaba ao se defrontar com esta morte.
Aquele foi um momento de esperança porque tudo indicava que, finalmente, a Justiça iria fundo no processo.
Qual não foi a surpresa e a decepção de milhares de pessoas quando, novamente, a Justiça decide que, no caso do Padre Gabriel, houve latrocínio e não homicídio.
O processo aproxima-se da prescrição, ou dizendo numa linguagem leiga, o processo está perto de acabar sem que os mandantes do crime sejam julgados perante o Tribunal de Júri.
A Família do Padre Gabriel e os que batalham para que se faça Justiça no caso vão apelar para a Corte Interamericana de Direitos Humanos, onde não há prescrição, pois o objeto da iniciativa é justamente denunciar a falha e a omissão da Justiça brasileira.
A decisão dessa Corte internacional terá efeito moral fortissimo, mas não tem efetividade porque a Corte Interamericana não pode intervir na Justiça dos países que integram o sistema interamericano.
Vamos agora lembrar a Irmã Dorothy.
Tive a alegria espiritual de ler o livro Mártir da Amazônia – a vida da Irmã Dorothy Stang.
Que vida Linda! Ela se apaixonou pelo trabalho pastoral com os migrantes, aquela gente miserável que partiu para a Amazônia em busca de trabalho e de pão.
Irmã Dorothy foi seguidora do teólogo Gustavo Gutiérrez que disse:
“Na América Latina o desafio não vem em primeiro lugar de não-crentes, e sim de não-pessoas, ou seja, aqueles a quem a ordem social dominante não reconhece como pessoas.”
Irmã Dorothy foi adepta da Teologia da Criação, ou seja, da ideia de que se rende culto a Deus zelando por este mundo que Ele criou, pelo meio ambiente, pelos rios, pelas florestas.
Por este sentimento de que a criação é obra divina, opôs-se vigorosamente aos interesses nacionais e internacionais que pretendiam e ainda pretendem devastar a Amazônia.
Não obstante cidadã norte-americana, Dorothy era antes de tudo cidadã do Reino de Deus.
exemplar do livro  Mártir da Amazônia está marcado com muitas observações manuscritas, algumas delas fazendo referência ao Padre Gabriel.
Irmã Dorothy e Padre Gabriel são dois mártires da causa da Justiça, com quatro pontos de identidade entre eles:
a) ambos assumiram a luta pela Justiça inspirados no Evangelho;
b) ambos deixaram o torrão natal e vieram para o Brasil;
c) ambos foram assassinados;
d) nos dois casos, os processos judiciais não fizeram desabrochar a verdade integral dos fatos.
 
João Baptista Herkenhoff, 75 anos, um dos fundadores e primeiro presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, professor da Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, autor deCurso de Direitos Humanoshttp://editorasantuario.wordpress.com/

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