Alguém ser considerado a “motivação” por trás de um crime, por si só, não gera responsabilidade penal, independentemente do julgamento moral que se faz de seu comportamento. Com essa fundamentação, por unanimidade, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou o trancamento de inquérito policial instaurado contra uma mulher pelo juiz Edmundo Lellis Filho, da Vara do Júri de Santos.
Por determinação do magistrado, passou a ser investigada a eventual participação da gerente de loja Elyse Chiceri, de 32 anos, no homicídio do músico Daniel Nunes Aquino — o MP-SP manifestou-se contra a abertura de inquérito. Isto aconteceu dois dias após o autor confesso do assassinato, Thiago Batista de Barros, o Chupeta, ser condenado a 18 anos de reclusão pelo crime.
Como testemunha do caso, Elyse depôs no plenário do júri e não escondeu o triângulo amoroso que manteve com Dan Nunes e Chupeta, seu ex-companheiro e pai do seu filho. “As revelações de Elyse Chiceri causaram séria perturbação, trazendo reforço à sensação pública de que se vive em uma sociedade impune e, eticamente, apodrecida em seus valores morais, como família, fidelidade, liberdade e responsabilidade”, disse o juiz.
Além de ordenar a instauração do inquérito, Lellis decretou, sem a ciência do MP, a prisão preventiva de Elyse. A ordem de captura foi cumprida em 26 de outubro de 2016 e a mulher foi solta seis dias depois, por determinação do próprio juiz. Isso porque o promotor Cássio Serra Sartori não ofereceu denúncia contra a testemunha. Sem vislumbrar qualquer indício contra ela, o promotor classificou a prisão de “arbitrária e abusiva”.
Para impedir o prosseguimento da apuração criminal presidida pelo juiz, por considerá-la “sem justa causa e ilegal”, o advogado Alex Sandro Ochsendorf impetrou Habeas Corpus em favor da mulher. O julgamento aconteceu no dia 9 de fevereiro, na 14ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP. O voto do relator Walter da Silva foi acompanhado pelos desembargadores Marco Antonio De Lorenzi e Miguel Marques da Silva. De acordo com o colegiado, não há nenhum prova contra a mulher.
O procurador de Justiça (membro do MP que atua em segunda instância)Paulo Reali Nunes se manifestou pela concessão do Habeas Corpus e criticou a decisão de primeira instância. “O caso encerra uma sucessão de arbitrariedades e ilegalidades, várias já consumadas, outras em fase de ameaça. [...] O despacho que desencadeou a investigação contra a paciente (Elyse) contém um rosário de subjetividades”, enfatizou o procurador de justiça. Reali Nunes também mencionou que o magistrado ignorou o parecer de Sartori, dado na qualidade de titular da ação penal, pelo arquivamento do inquérito.
Tiro pelas costas
Dan Nunes foi morto em 30 de março de 2015. Ele estava na frente de um bar em Santos, onde se apresentou com a sua banda. Chupeta passou pelo local dirigindo um carro e o baleou pelas costas. Segundo o MP, o crime foi qualificado pelo emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima e pelo motivo torpe, porque o réu não aceitava o relacionamento que Elyse, sua ex-companheira, manteve com o vocalista.
Pivô da crise de ciúmes que terminou em assassinato, a gerente de loja negou qualquer participação na morte de Dan Nunes ao ser presa. Momentos antes de ser encaminhada à cadeia feminina anexa ao 2º DP de São Vicente, ela desabafou: “Eu não sou uma criminosa. Eu apenas me envolvi com dois homens e estou pagando por falar a verdade, porque em hipótese nenhuma eu menti”.
HC 2237104-52.2016.8.26.0000
Eduardo Velozo Fuccia é jornalista.
Revista Consultor Jurídico, 14 de fevereiro de 2017.
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