No Brasil, segundo últimos dados oficiais, existem cerca de 622 mil pessoas encarceradas, das quais 40% ainda não foram julgadas. Há, porém, apenas 372 mil vagas, o que significa um déficit de cerca de 250 mil vagas (40%), demonstrando a situação calamitosa de superlotação e provando que há anos pessoas têm sido aprisionadas em condições inadequadas.
Em 10 anos, o Brasil testemunhou um crescimento de 72% de sua população carcerária, — ao passo que a população brasileira apresentou crescimento de 10% — em um cenário inicial de superlotação, o crescimento de 80% no número de vagas não foi suficiente para suprir o déficit existente.
A superlotação e péssimas condições dos presos foram fatores que culminaram na série de massacres nos presídios no início do ano. As rebeliões mataram mais de uma centena de presos, em diferentes estados.
Diante desse cenário, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) foi além das tradicionais críticas ao sistema penitenciário e medidas adotadas pelos governos ao longo dos anos e apresentou seis propostas para reduzir a superlotação e melhorar o sistema. O estudo foi apresentado em São Paulo nesta quinta-feira (2/2), pelo presidente do IDDD, Fábio Tofic Simantob. O documento será enviado tanto ao Supremo Tribunal Federal quanto para o Ministério da Justiça.
Com base nos dados analisados, a conclusão do IDDD é que no Brasil se prende jovens, negros e pobres, tornando-os munição para as facções criminosas que hoje dominam diversas unidades prisionais. O instituto ressalta, ainda, que a atual política criminal é ineficaz pois apesar do crescimento da população carcerária, não há redução no número de mortes violentas no país.
O IDDD considera ainda que medidas como a proposta pelo governo de construir novos presídios não implicará o final da violência, pois seriam precisos recursos “intermináveis” para abrigar de forma digna todas as pessoas presas nos dias atuais. "Além disso, com mais vagas se prende mais e prendendo mais gera-se nova demanda por vagas. Não há viabilidade econômica em tal ideia", diz o instituto.
O instituto lembra ainda que o encarceramento massivo afeta uma série de preceitos constitucionais como restrição ao acesso à Justiça, a negação do direito ao devido processo legal, o desrespeito ao direito de defesa, a violação do princípio da presunção de inocência e a manutenção de uma série de prisões ilegais e desnecessárias.
"Não haverá esperança enquanto não forem implementadas medidas que enfrentem a cultura do encarceramento em massa, sendo necessário iluminar o debate sobre a política de segurança pública e a política prisional para que medidas eficazes e racionais sejam adotadas. É preciso construir verdadeiras alternativas ao cárcere de modo a responsabilizar os condenados pela prática de um crime sem, contudo, tirar-lhes a dignidade e a chance de escolha sobre seu futuro", diz o IDDD.
Proposta 1: Audiências de custódia
No documento, o instituto apresenta seis medidas, com suas respectivas justificativas, para melhorar o sistema penitenciário. A primeira delas é a regulamentação das audiências de custódia por meio de lei. O IDDD considera que a efetiva adoção das audiências de custódia tal como recomendado pelo Pacto de San José da Costa Rica, isto é, como procedimento presencial preliminar e indispensável à prisão, constitui-se como uma das providências mais efetivas para solucionar a superlotação de nossas unidades prisionais.
Por isso, o instituto propõe a imediata implementação irrestrita da Resolução 213 de 2015, do Conselho Nacional de Justiça, que determina as audiências de custódia, e a tramitação autônoma do PL 6.620/2016, em caráter de urgência, para que o procedimento seja legalmente assegurado e aprimorado, resolvendo definitivamente o estado de coisas inconstitucional já declarado pelo Supremo Tribunal Federal.
Proposta 2: Proibição da prisão preventiva para tráfico privilegiado
O IDDD propõe a vedação da decretação de prisão preventiva nos casos do chamado tráfico privilegiado por meio de alteração na Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), para que dela conste o seguinte artigo: “Não será admitida a decretação da prisão preventiva se os elementos contidos nos autos do inquérito policial ou do processo penal indicarem a possibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 desta Lei, demonstrado que o indiciado ou acusado não é reincidente, não tem maus antecedentes e nem se dedica a atividades criminosas ou pertencente a organização criminosa.”
De acordo com o instituto, a alteração de lei proposta impedirá que uma grande maioria de pequenos traficantes, primários, que não integram organizações criminosas, sejam inseridos no sistema carcerário e sejam cooptados pelas facções criminosas, contribuindo, ainda, com a solução do problema da superlotação carcerária.
O IDDD lembra que o STF já declarou inconstitucional a vedação de conversão de pena privativa de liberdade em restritivas de direitos. Além disso, também já afastou a obrigatoriedade de imposição do regime inicial de cumprimento de pena fechado para os crimes de tráfico de drogas. Apesar disso, o instituto aponta que os juízes insistem em continuar mantendo presos preventivamente pequenos traficantes ou traficantes eventuais, que foram presos com pequenas quantidades de drogas, sem maus antecedentes ou envolvimento com quadrilhas ou com organizações criminosas e que, ao final do processo, não teriam que cumprir as penas no regime fechado ou deveriam ter suas penas substituídas por penas restritivas de direito.
Proposta 3: Proibição da prisão preventiva para crimes sem violência ou grave ameaça com pena mínima igual ou menor a quatro anos
Com o objetivo de corrigir o que chama de “falta de lógica” do sistema judicial brasileiro, o IDDD propõe a modificação do artigo 313 do Código de Processo Penal. O instituto explica que a atual redação dispositivo estabelece que só caberá prisão preventiva “nos crimes punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos”.
O problema é que diversos crimes têm pena máxima superior a quatro anos mas a mínima (patamar onde em regra gira a condenação), é inferior. "Frequentemente pessoas ficam presas preventivamente no regime fechado e acabam sendo condenadas ao regime semiaberto ou têm a pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direitos. Isso significa que a prisão provisória, por regra excepcionalíssima, acaba por punir com mais rigor que a própria pena definitiva, minando a presunção de inocência, princípio basilar do Direito", justifica.
Proposta 4: Edição de resolução pelo CNJ para controle das prisões provisórias e medidas cautelares
Segundo o instituto, no Brasil, para alguns crimes, principalmente os patrimoniais e ligados a drogas, a prisão preventiva virou regra, e tem servido como punição antecipada, fundamentada no que se convencionou chamar gravidade do delito, argumento — no entanto, o STF e o STJ vêm considerando isso ilegal. A situação é responsável pelo grande número de presos provisórios no sistema prisional brasileiro (quase 42% das pessoas encarceradas estão presas sem uma sentença definitiva).
Diante desses dados, o IDDD propõe a redação, pelo Conselho Nacional de Justiça, de resolução por meio da qual se determine que o magistrado periodicamente passe a reavaliar a necessidade de manutenção da prisão cautelar, após um prazo de 60 dias.
Idêntica providência deverá ser adotada no âmbito dos tribunais, enquanto não julgada a apelação, devendo os autos ser conclusos ao relator para que se verifique a manutenção da presença dos requisitos de cautelaridade e, consequentemente, a necessidade de permanência da medida constritiva de liberdade.
O IDDD sugere ainda a expedição de ofício aos Tribunais Estaduais e Tribunais Regionais Federais exigindo aplicação do estabelecido no artigo 10 da Resolução 213 do CNJ que obriga o juiz a rever a necessidade da medida cautelar periodicamente. Para o IDDD essa medida é fundamental para que, não só as medidas alternativas, mas principalmente a medida de prisão, sejam usadas de forma .
Proposta 5: Edição de súmulas vinculantes que pacifiquem os entendimentos consolidados pelo STF e criação de mecanismos urgentes que garantam o cumprimento das súmulas do STJ
Para o IDDD, obrigar os tribunais dos Estados a cumprirem a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é um passo fundamental para democratizar o acesso à justiça e aliviar a superlotação das prisões.
Por isso, o instituto propõe a edição de nove súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal em matéria penal envolvendo questões mais urgentes que visam a garantir a igualdade de tratamento de toda a população e em todos os tribunais do país. Além disso sugere adoção de medidas que exijam dos juízes e tribunais estaduais o cumprimento irrestrito das súmulas do STJ.
Entre as súmulas propostas estão a que proíbe a decretação da prisão preventiva com base na gravidade abstrata do delito e clamor público, e a que exige fundamentação concreta para decretar a preventiva, baseada em elementos do processo, e não em meros receios íntimos do magistrado — leia a lista completa das súmulas propostas na tabela ao final da notícia.
De acordo com o instituto, apesar de o STF e STJ possuírem entendimentos já consolidados em diversas questões da área penal que, no entanto, não são aplicadas pelos tribunais estaduais. Uma pesquisa da FGV Direito Rio aponta, por exemplo, a resistência dos tribunais inferiores de aplicarem os enunciados sumulares 718 e 719, do STF, posteriormente reafirmados pela Súmula 440 do STJ. Essas súmulas tratam de proibir que o magistrado aplique regime prisional mais gravoso do que previsto em lei apenas por causa da sua opinião pessoal sobre o crime.
Proposta 6: Alterações na Lei de Execução Penal para garantir direitos do apenado
O IDDD propõe a votação em separado e em regime de urgência de algumas alterações da Lei de Execuções Penais (LEP), propostas pelo PLS 513/2013, que resultou de um anteprojeto elaborado por uma comissão especial de juristas e, como medida principal veda a acomodação de presos em número superior à capacidade do estabelecimento penal .
O projeto, que propõe 200 alterações à Lei de Execução Penal, institui também a progressão automática de regime para presos com bom comportamento que tiverem cumprido ao menos 1/6 da pena no regime anterior. Do projeto, o IDDD propõe a votação urgente e em separado de alterações em 12 artigos da LEP.
Ao justificar, o instituto explica que o atual sistema de execução de penas inverte a ordem constitucional que tem a liberdade como regra e a prisão como exceção. "É ilógico que o sistema preveja a necessidade de decisão judicial para a progressão do regime, vencido o lapso objetivo (temporal) legal. Na verdade, o juiz deveria ser chamado apenas a decidir sobre a exceção ao direito à liberdade", afirma o IDDD.
Assim, complementa o instituto, uma mudança legislativa adequada, com algum potencial de desencarceramento, é aproximar a execução penal da forma como o instituído para a prisão temporária, ou seja, para manutenção da cautelar, vencido o prazo, o juiz precisa atuar.
"Assim, a mora ou omissão do Estado e/ou dos operadores do sistema e do Direito não prejudica o direito do sentenciado, que terá um alvará de progressão garantido, a menos que o juiz diga que não faz jus à próxima fase. No mínimo, a fila andaria com maior fluidez, sem descurar dos interesses da sociedade em geral, já que agentes públicos, identificando casos que mereçam atenção específica, poderiam pedir ao Judiciário a manutenção do regime mais gravoso", explica.
O instituto afirma ainda que isso provocaria uma desjudicialização de uma fase da execução. "Para ver respeitado o direito do sentenciado à progressão não deveria ser necessária a intervenção do juiz. O Poder Judiciário deve estar presente para apreciar lesão ou ameaça a direito. Para presenciar o respeito, a toga não precisa se fazer presente", conclui.
Súmulas vinculantes propostas pelo IDDD
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- A prisão preventiva não pode ser decretada com base na gravidade abstrata do delito, clamor público, credibilidade das instituições ou outras circunstâncias reprovadas pela jurisprudência do STF.
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- A prisão preventiva exige fundamentação concreta, baseada em elementos do processo, e não em meros receios íntimos do Magistrado, ou argumentos especulativos como risco abstrato de fuga ou de ameaça a testemunhas, sem nenhuma indicação concreta da prova dos autos.
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- A prisão preventiva não pode ser decretada sem que o Magistrado, fundamentadamente, afaste a suficiência de imposição de uma das medidas cautelares alternativas à prisão.
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- O aumento da pena-base não pode se dar com referência a circunstâncias elementares do tipo penal, como natureza ilícita da droga no tráfico, ou o uso de fraude no estelionato.
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- A fixação de regime mais gravoso do que o previsto em lei exige fundamentação idônea.
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- A mera gravidade abstrata do delito não justifica a imposição do regime mais grave do que o previsto em lei.
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- O tráfico privilegiado não é hediondo, e permite a aplicação de penas alternativas.
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- A confissão deve diminuir a pena quando foi usada pelo juiz para motivar a condenação.
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- Penas de até 4 (quatro) anos não devem ser cumpridas no regime fechado.
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Clique aqui para ler o documento apresentado pelo IDDD.
Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2017.
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