quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Passou da hora de reformarmos o sistema penitenciário brasileiro


O Supremo Tribunal Federal, no dia 16 de fevereiro, entendeu ser cabível indenização pecuniária por danos morais a preso em condições degradantes. A decisão encerra debate sobre a obrigação do Estado de ressarcir danos comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento.
A pena de prisão, concebida para restringir o direito de ir e vir, acaba por violar diversos preceitos constitucionais. O artigo 41 da Lei de Execução Penal prevê 16 direitos do preso, além do respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios. Já o artigo 88 do mesmo dispositivo determina os requisitos básicos da unidade celular: “a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatos de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; b) área mínima de 6 m2”.
O presídio no Mato Grosso, local onde o detento peticionante se encontrava, foi construído com capacidade para 262 presos, mas abrigava 674. Para ostentar o quarto lugar no ranking dos países com maior contingente de pessoas privadas de liberdade, o Estado deveria “acordar e fazer cumprir a Constituição”, segundo disse o ministro Marco Aurélio.
Importante ressaltar que, além de exorbitante em números absolutos, a população carcerária segue uma tendência de crescimento contínuo e acelerado. Devemos lembrar ainda da recente decisão que autoriza a prisão dos condenados em segunda instância. Teremos espaço para tanta gente? Teremos espaço com condições adequadas para tanta gente?
A responsabilidade do Estado pela integridade física e psíquica daqueles que estão sob sua custódia autoriza a indenização. Porém, o último relatório do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen) estimou que a população prisional brasileira ultrapassou 600 mil presos em 2014. A chuva de ações indenizatórias que vem por aí criará ônus excessivo para o Estado e sem previsão alguma de resolver a urgente necessidade dos detentos. Percebe-se a irracionalidade do gasto do dinheiro público: indeniza-se o que deveria ter sido gasto com melhorias para o sistema carcerário.Além disso, é certo que o encarceramento não funciona como mecanismo de controle da violência.
Parece claro que chegou o momento de reduzir e racionalizar a porta de entrada dos presos no sistema, incentivar e investir recursos e energia na estruturação de alternativas à prisão. Mais baratas e efetivas para a ressocialização, as medidas alternativas têm potencial para reduzir mais rapidamente a superlotação carcerária, além de demandarem maior participação social.
Ademais, o próprio STF restringe o uso do Habeas Corpus sempre que possível. Não é cabível HC substitutivo. Não se admite HC contra decisão monocrática. Incabível HC contra decisão de ministro do STF. O mesmo tribunal que afirma que o sistema carcerário está num estado inconstitucional de coisas, diz que a prisão pode ser executada antes do trânsito em julgado e agora diz que os presos em condições desumanas podem ser indenizados.
A crítica que aqui se faz não é em relação ao direito à indenização. Parece digno compensar quem teve múltiplos direitos fundamentais violados. O que não parece correto é se eximir da discussão sobre quantas indenizações ainda deverão ser pagas por culpa da omissão estatal a um tratamento penitenciário digno.
Inevitável não questionar se já não passou da hora de se fazer a reforma do sistema penitenciário.
Juliana Malafaia é advogada do Souto Correa Advogados
Revista Consultor Jurídico, 22 de fevereiro de 2017.

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