Nova na função, a juíza texana Claudia Brown mandou um recado às autoridades americanas: ela está determinada a mudar o sistema de Justiça criminal dos EUA. Ela pretende demonstrar que o sistema é “ridículo” e fez isso, pela primeira vez, fixando uma fiança em US$ 4 bilhões, em um caso de homicídio que o suspeito se declara inocente.
O recado foi ouvido em todo o país. Jornais, emissoras de rádio e TV repercutiram suas declarações. “Nesse país, mandamos gente para a cadeia como quem manda os filhos para a creche. É como se a prisão fosse uma creche para adultos”, ela disse.
As fianças exorbitantes praticadas no país mantêm desnecessariamente suspeitos de crime na cadeia até o julgamento, o que pode ser muito tempo, só para descobrir no final que muitos réus são inocentes.
Esse pode ser o caso do suspeito de homicídio Antonio Marquis Willis, que ainda não foi a julgamento. Ela disse aos jornais e agências de notícias que, inicialmente, fixou a fiança em US$ 100 mil. Porém, as “autoridades do estado” (policiais e promotores) insistiram que a fiança deveria ser de US$ 1 milhão — apesar de o suspeito haver se apresentado, por vontade própria, às autoridades policiais e se declarar inocente.
Nesse ponto, ela perdeu a paciência. “Mudei o 1 para 4 e adicionei um punhado de zeros. Aí deu US$ 4 bilhões”, ela disse. Para ela, US$ 100 mil já é uma quantia que a maioria dos americanos não pode pagar. E os acusados são obrigados a permanecer presos até o julgamento.
“Sei que a fixação de tal valor é inconstitucional e que minha decisão será revertida. Mas fiz isso para ilustrar como é ridículo nosso costume de colocar as pessoas na prisão sem mesmo lhes garantir seus direitos constitucionais a um julgamento justo, para determinar se são culpados ou inocentes”, ela declarou.
Na sexta-feira (17/2), um juiz federal no Texas baixou a fiança para US$ 151.000. A diretora-executiva do Centro de Treinamento de Juízes do Texas disse que não defende em seus cursos o uso dos direitos ao devido processo pelo juiz manifestar suas opiniões particulares. “Mas essa é uma decisão pessoal que cada juiz pode fazer”, afirmou
De acordo com o Conselho Judicial do Texas, cerca de 25% dos 41 mil presos que aguardam julgamento no Texas oferecem pouca ou nenhuma ameaça à sociedade, mas são encarceradas porque não podem pagar a fiança. Em alguns casos, são identificados como possíveis fugitivos injustamente. Um estudo da Comissão Texana sobre Padrões de Encarceramento mostrou que a percentagem de presos aguardando julgamento há 25 anos era de 32%. Hoje é de 75%.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 20 de fevereiro de 2017.
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