O estado tem a obrigação de reparar os prejuízos materiais e morais decorrentes de comportamentos de seus agentes no exercício de suas funções. Para configurar o dever de indenizar da responsabilidade objetiva, basta a presença do nexo causal ligando a conduta do agente público e o dano sofrido pela vítima.
O fundamento levou a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a negar Apelação interposta pelo estado buscando a reforma da sentença que o condenou a pagar danos morais a um homem vítima de erro judiciário.
Ele ficou preso por mais de 30 dias no Presídio Central de Porto Alegre, uma das piores casas de detenção do mundo, em decorrência de sucessivos erros nas fases policial e judicial. Pela gravidade do caso, o colegiado aumentou de R$ 10 mil para R$ 20 mil o valor indenizatório.
Prisão-surpresa
O autor foi preso logo após se apresentar ao Foro Judicial da Comarca de Alvorada (região metropolitana de Porto Alegre), em 17 de junho de 2008, pois tinha contra si um mandado de prisão expedido pela Justiça. Mesmo sem saber o porquê da prisão e alegando inocência, ele foi encaminhado ao Presídio Central da Capital e lá permaneceu até 20 de agosto.
O homem só foi libertado graças ao depoimento de duas testemunhas — justamente os proprietários de um estabelecimento comercial que o haviam reconhecido, em momento anterior, como um dos suspeitos do assalto.
Ocorre que tal identificação não se deu pessoalmente entre as vítimas e o autor, mas por fotografia antiga, desatualizada, dos arquivos policiais. Com isso, a autoridade policial pediu a sua prisão cautelar que, com o apoio do Ministério Público, acabou decretada. A juíza fundamentou a decisão prendê-lo, bem como ao outro suspeito, em função da gravidade do crime e pelo fato de os criminosos conhecerem o local de trabalho das vítimas.
Entre a expedição do mandado de prisão e a abertura de inquérito policial, o autor foi intimado por várias vezes, sem nunca atender as intimações. No curso destas tentativas, descobriu-se que seu nome estava sendo escrito de maneira errada, o que provavelmente impediu que a correspondência chegasse ao seu endereço.
Apesar disso, a autoridade policial não quis tentar uma nova intimação pessoal, alegando que já havia sido feito o reconhecimento do suspeito por foto existente no sistema de arquivo da polícia. O jeito foi intimá-lo por edital — o que o levou ao Foro de Alvorada.
Erros policiais e judiciais
No primeiro grau, o juiz José Antônio Coitinho, da 2ª Vara da Fazenda Pública, do Foro Central de Porto Alegre, observou que toda esta a confusão seria evitada se os policiais agissem com mais diligência. Criticou o pedido de prisão à Justiça sem que fossem tomadas todas as medidas cabíveis para averiguar se, de fato, o suspeito realmente estava envolvido na ação criminosa.
“Percebe-se que sua prisão cautelar se deu sem indícios suficientes da autoria. Ainda, houve, como se viu, erro grosseiro com relação ao seu nome, o que dificultou a sua localização e, provavelmente, prejudicou que ele se reconhecesse como intimado pelo edital. O requerente, assim, não estava foragido, como constou em documento pertencente ao Inquérito Policial”, complementou na sentença.
Para o julgador, o conjunto de procedimentos equivocados resultou em erro judiciário e das autoridades policiais, atraindo a responsabilidade objetiva do estado do Rio Grande do Sul, como se depreende da leitura do artigo 37, parágrafo 6º., da Constituição Federal.
O dispositivo diz que o estado deve, sem a comprovação de dolo ou culpa, reparar os danos sofridos pela pessoa em decorrência de conduta omissiva ou comissiva do servidor público ou de agente privado prestador de serviço público. No caso concreto, a ação dos servidores é que deu causa à ocorrência do dano, descartando-se a as hipóteses excludentes (fato de terceiro, caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima).
“Assim, há dever de indenizar do réu, uma vez que presentes todos os elementos necessários para isso, no que diz respeito à aplicabilidade da responsabilidade civil objetiva ao caso. Deve haver indenização por danos extrapatrimoniais toda vez que se ferir a dignidade da pessoa humana, que está disposta no artigo 1º, inciso III, da Lei Fundamental e abarca os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade”, arrematou, arbitrando a reparação no valor de R$ 10 mil.
Dano presumido
O relator da Apelação na corte, desembargador Miguel Ângelo da Silva, disse que numa situação como esta os danos morais são presumidos. Ou seja, o chamado dano moral in re ipsa decorre da força dos próprios fatos, pouco importando se existe prova do prejuízo sofrido pela vítima em face do evento danoso. Pela dimensão do fato e sua natural repercussão na esfera do autor, ponderou o desembargador, é impossível deixar de imaginar que o dano não tenha se configurado.
“O autor permaneceu indevidamente encarcerado pelo significativo período de um mês. Assim, sofreu ofensa a bem valiosíssimo e de valor inestimável, injustamente privado do status libertatis. A liberdade é bem inalienável do indivíduo e não tem preço, pois é como o ar que se respira. Em vista disso, estou em majorar o montante da reparação por danos morais para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Esse valor consona com parâmetro observado pelo Colegiado em situações similares”, cravou no voto. O acórdão foi lavrado na sessão de 14 de dezembro.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 7 de fevereiro de 2017.
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