Uma pesquisa publicada em edição especial no Jornal da Associação Médica Americana, na segunda-feira (14/11), indica que a quantidade de homicídios aumentou 24,4% no período de 2005 a 2014 na Flórida. O número de homicídios por uso de arma de fogo, especificamente, aumentou 31,6% nesse período de dez anos.
A pesquisa começa em 2005, porque esse foi o ano que a Flórida aprovou a lei “Stand Your Ground” , que expandiu largamente o conceito de legítima defesa que prevalecia desde a época colonial. Nesse mesmo período, o índice de homicídios declinou nos estados que não adotaram essa lei. Isso levou os autores da pesquisa a concluir que o aumento significativo do índice de homicídios deve ser atribuído à criação de tal lei.
A lei “Stand your ground” (não se retire) elimina, em primeiro lugar, uma das condições do princípio da legítima defesa, que é o dever de se retirar (duty to retreat), antes de usar “força letal”. Essa lei autoriza o uso de “força letal”, se a pessoa sentir que sua vida ou sua propriedade está em perigo — por exemplo, se a pessoa ver um ladrão tentando roubar seu carro, pode atirar para matar.
Na verdade, uma pessoa acusada de homicídio pode pedir a proteção da lei “Stand your ground” mesmo que, ela mesma, tenha iniciado o confronto com a vítima. E A lei também vale para casos de “defesa de outrem”, caso isso seja considerado necessário.
A lei sempre foi controversa. Mas uma de suas partes mais polêmicas é a que autoriza uma pessoa usar “força letal” em qualquer lugar público ou privado, desde que se sinta ameaçada. Isso é uma extensão da “Castle Law”, uma lei que já existia anteriormente, que permite a uma pessoa usar “força letal” se alguém entrar em sua casa e uma ameaça de vida ou de propriedade for percebida.
A autorização do “uso de força letal” significa que a pessoa não precisa apontar uma arma para outra pessoa e ameaçá-la de morte, nem atirar nas pernas ou em qualquer outra parte do corpo só para obrigar a outra pessoa a desistir de atacá-la. Pode atirar para matar. Por isso a lei é apelidada de “ Lei Atire Primeiro” [e faça perguntas depois].
De acordo com os pesquisadores, a confecção da lei foi uma obra da National Riffle Association (NRA), a entidade que representa as fabricantes de armas. O lobby da NRA conseguiu aprovar leis semelhantes em 23 dos 50 estados americanos e forçar o governo a negar fundos para estudos sobre o efeito da liberação do uso de armas nos índices de homicídio.
Desses estados, apenas a Flórida foi pesquisada — e não entrou no estudo o massacre de Orlando, em junho de 2016, em que morreram 49 pessoas em uma boate. Mas os pesquisadores compararam os dados da Flórida com os de quatro estados que não adotaram a lei “Stand your ground”: Nova York, Nova Jersey, Ohio e Virgínia — estados em que o índice de homicídio permanece inalterado ou declinou.
Os casos de suicídio também foram examinados na pesquisa, apenas para efeito de comparação. Não houve aumento no índice de suicídios em nenhum dos estados pesquisados, apesar da crise econômica de 2007 a 2009, que desarranjou as vidas de muitos trabalhadores e empresários.
Também para comparação, os pesquisadores citaram um estudo de 2014, segundo o qual os menores índices de homicídio no país são de estados que aprovaram alguma regulamentação restritiva à aquisição de armas. Basicamente, essas leis estaduais requerem que os antecedentes de compradores sejam checados e que eles obtenham uma permissão oficial de compra.
A atual pesquisa indica que, estatisticamente, o aumento da quantidade de homicídios foi mais significativo na Flórida entre pessoas brancas (45,1%), pessoas negras (22,9%), pessoas na faixa etária de 20 a 34 anos (35,8%), com mais de 35 anos (21,5%) e, finalmente, entre homens (31,8%).
A lei “Stand your ground” ficou mundialmente famosa em 2012, quando o vigilante George Zimmerman matou o adolescente negro e desarmado Trayvon Martin, na Flórida, e sequer foi preso. Isso provocou protestos em todo o país e, por causa deles, Zimmerman foi acusado de homicídio de segundo grau, mas foi inocentado.
Revista Consultor Jurídico, 16 de novembro de 2016.
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