Todos os dias da semana, a americana Karen Klein (foto), de 68 anos, acorda bem cedo, resignadamente, para não faltar a seu emprego pós-aposentadoria. Ela trabalha como "monitora" de um ônibus escolar. Cuida de alunos da 6ª a 8ª séries, durante o transporte de ida e volta para casa — e sofre bullying de alguns "pestinhas", sem reclamar. Um deles filmou com o celular uma sessão de bullying, em que ela tentou conversar, chorou, mas não revidou. E postou o vídeo noFacebook. Interpelada pela Polícia, ela não quis processar os quatro estudantes envolvidos no caso, todos da 7ª série (entre 13 e 14 anos). Mas o canadense Max Sidorov (Max S) copiou o vídeo, postou no YouTube, com chamada para um site, no qual propõe o levantamento de um fundo de US$ 5 mil, no período de 30 dias, para propiciar a Karen um período compensador de férias. Karen não precisa mais trabalhar: em menos de dois dias, o sitelevantou mais de US$ 555 mil em doações de diversas partes do mundo.
Na verdade, esse número já é velho. Também já é velha a informação do final da tarde desta sexta-feira (22/6) de que mais de 25 mil pessoas de todo o mundo já fizeram doações à conta criada para retirar a “monitora” dessa situação — sua função era cuidar das crianças no transporte entre escola e casa. Todos os números serão velhos, porque a cada renovação do site, o número aumenta. Para saber em quanto anda o valor das doações, a 28 dias do final da campanha, é preciso checar o site “Let’s give Karen Klein – the bus monitor – a vacation” (Vamos dar a Karen Klein – a monitora do ônibus – umas férias). O site foi ao ar na quinta-feira. Na sexta-feira de manhã, o fundo já tinha US$ 443 mil. No final da tarde, mais de US$ 555 mil. Agora?
Em poucos dias, o vídeo no YouTube se tornou "viral" — qualificação para vídeos que se espalham como um vírus pela internet, para todo o mundo, em pouco tempo. O vídeo de dez minutos, com o título de "Making the bus monitor cry" ("Fazendo a monitora do ônibus chorar") obteve rapidamente mais de 4,2 milhões de visitas e quase 80 mil comentários críticos aos estudantes e suas famílias, até a tarde de sexta-feira (22/6). A contagem avisa: "Faltam 28 dias". O site foi paralisado algumas vezes, por excesso de visitantes.
Durante a sessão filmada de bullying, os estudantes exploraram principalmente o fato de Karen sofrer com seu excesso de peso. "Oh meu Deus, você é tão gorda!", diz um estudante. Outro ridicularizou: "Ela não tem uma família porque todos eles se suicidaram". Um dos filhos de Karen cometeu suicídio há alguns anos. O bullying incluiu insultos tais como bitch (puta, cadela), fatass(bunda gorda), poor (pobre, medíocre), ugly (feia, repulsiva) e outras palavras semelhantes, segundo o site indiegogo, que promoveu o levantamento dos fundos.
A pequena cidade no subúrbio de Rochester, chamada Greece (Grécia), está vivendo uma crise. A cidade com menos de 100 mil habitantes, que sempre foi um recanto de tranquilidade, está atraindo jornalistas e críticas de várias partes do mundo. Os habitantes debatem os castigos que deveriam ser impostos aos estudantes, como cortar a grama da monitora do ônibus escolar pelo resto da vida dela ou limpar banheiros com uma escova de dentes. Karen, cujo único pedido depois que o caso estourou na imprensa foi para trocá-la de ônibus, disse que não quer processar os estudantes porque eles já estão sofrendo com as ameaças que receberam. Na verdade, a Polícia foi obrigada a vigiar as casas dos estudantes para evitar mais problemas. Karem terá direito a uma sessão de desagravo na escola, com a presença do prefeito da cidade.
Mas o noticiário de sexta à noite mostrou Karen com um sorriso que ostentava uma felicidade maior do que ela. Foi oficialmente informada da campanha de levantamento de fundos e por quanto andavam as doações. O único pedido que ela havia feito à escola foi de que a trocassem de ônibus. Agora, ela não terá mais de trabalhar em ônibus algum para sobreviver. As doações são mais do que suficientes para ela viver tranquilamente, no padrão de vida em que está acostumada. Sequer terá de acordar muito cedo todos os dias da semana, para não faltar a seu emprego de pós-aposentadoria, para complementar a renda.
A história de Karen ganhou manchetes em todo o mundo. Foi criada uma página-relâmpago para ela na Wikipédia. Mas, mais importante, ela começou a receber pedidos de desculpas por escrito dos estudantes. As famílias estão fazendo fila para lhe pedir desculpas. Foi convidada para uma cerimônia de desagravo na escola de Greece. Greece? Ninguém nunca ouviu falar. Mas, agora, a pacata cidade no subúrbio de Rochester, com menos de 100 mil habitantes, deixou de ser apenas um pontinho, sempre despercebido, em mapas ampliados. Está enfrentando turbulências. A população mundial, incluindo um bando de jornalistas, acaba de descobrir que o estado de Nova York tem uma pequena cidade chamada Grécia, que está vivendo uma crise. Com bullies tão impiedosos de apenas 13 anos, o nome da cidade não será sinônimo de berço dos conhecimentos.
Texto alterado às 10h30 do dia 23 de junho de 2012 para acréscimo de informações.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 23 de junho de 2012
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