Entre os temas relacionados à cooperação jurídica internacional está a legalidade de provas produzidas em jurisdições estrangeiras e, mais especificamente, a situação em que a obtenção de informações em determinado país, diferente do Brasil, não exige, de acordo com a lei local, ordem judicial. A autoridade policial ou o Ministério Público dessa jurisdição teriam autoridade para determinar a produção das informações necessárias à investigação e ao processo penal. A dúvida está em saber se esses elementos de prova poderiam ser produzidos em processo penal brasileiro independente de ordem judicial.
Questões como essa, mais e mais presentes no cotidiano de uma sociedade global, perturbam o Direito Penal e seus operadores, durante muito tempo acomodados nos confortáveis limites de sistemas penais fortemente marcados pelo princípio da territorialidade e raramente incomodados por elementos estrangeiros. Os criminalistas têm diante de si dilemas há muito enfrentados pelos civilistas e que se traduziram na construção dos princípios e regras do Direito Internacional Privado ou, como preferem os norte-americanos do direito do conflito das leis (conflict of laws), a partir da percepção que a norma mais adequada à solução do problema jurídico pode não ser a territorial, mas sim a estrangeira.
O Direito Internacional Privado não é, como gostam de dizer os estudiosos dessa disciplina, propriamente internacional, na medida em que suas normas, inclusive as que determinam a aplicação da lei estrangeira, são internas. Portanto, se os elementos que conectam determinada questão jurídica, submetida ao foro brasileiro, com solução apontada pelo direito estrangeiro (elementos de conexão) estão determinados na lei brasileira, essa aplicação da lei estrangeira não significa um grande distanciamento do princípio da territorialidade.
Seja como for, talvez adaptando ao Direito e ao processo penal os princípios, normas e experiência do Direito Internacional Privado, as perturbações estrangeiras ao sistema penal e as questões de cooperação jurídica internacional em matéria penal devem ser enfrentadas pelos criminalistas. Por essa razão e para refletir sobre essa nova realidade sem perder as características e garantias do Direito Penal e Processual Penal, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) acaba de criar a Comissão de Cooperação Jurídica Internacional.
O IBCCRIM, por meio dessa comissão, organizará a reflexão e a disseminação do conhecimento sobre cooperação jurídica internacional em matéria penal. Em breve, um webinário (seminário pela internet) discutirá a questão que abre esta coluna ou, mais especificamente, a aplicação da lei do lugar da diligência em face das garantias individuais asseguradas pela constituição brasileira. Detalhes em breve no site do IBCCRIM (www.ibccrim.org.br). Não percam. As conclusões serão publicadas nesta coluna.
Antenor Madruga é advogado, sócio do Barbosa Müssnich e Aragão; doutor em Direito Internacional pela USP; especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP; professor do Instituto Rio Branco.
Revista Consultor Jurídico, 14 de junho de 2012
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