Ninguém duvida que o Código Penal de 1940 precisa ser atualizado.
No intuito de dar os primeiro passos nessa tarefa imperiosa, a presidência do Senado nomeou uma comissão de 16 juristas de todo o Brasil, presidida pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, para redigir um anteprojeto contemplando as alterações necessárias ao estatuto em vigor e à legislação criminal que foi sendo criada ao longo das últimas décadas e que se encontra fora do Código Penal, perfazendo um total de 110 leis extravagantes.
A população participou enviando centenas sugestões pelo site do Senado e nas múltiplas audiências públicas realizadas em todo o país. As reuniões, abertas ao público e aos meios de comunicação, foram também transmitidas pela TV Senado.
O anteprojeto será entregue no dia 27, junto com o relatório e a exposição de motivos, para tramitação no Congresso. Podemos assegurar que todas as decisões foram tomadas após os debates necessários, por unanimidade ou maioria de votos.
Apesar das incansáveis trocas de ideias, algumas críticas vêm sendo apresentadas nos meios de comunicação por integrantes do meio jurídico que não participaram das discussões da comissão.
Entendemos perfeitamente que existam vozes discordantes. No entanto, não se pode deixar de reconhecer os grandes avanços que a reforma está trazendo:
- Ampliamos, criteriosamente, as possibilidades de realização do aborto legal para que o Estado possa dar atendimento às camadas carentes da população;
- Fizemos previsão de eventual perdão judicial para o crime de eutanásia (morte piedosa);
- Aumentamos as penas para os delitos de trânsito com embriaguez ao volante ou resultantes de competição entre veículos na via pública;
- Reescrevemos os crimes sexuais para que o estupro, a molestação e o assédio sexual sejam corretamente descritos e proporcionalmente punidos;
- Aumentamos o rigor com relação aos crimes contra a administração pública, dentre os quais a corrupção e a concussão;
- Recrudescemos a punição com relação aos delitos contra os animais, finalmente dando a eles a dignidade e o respeito que merecem ter em uma sociedade civilizada;
- Criamos tipos penais inovadores, como o a exploração sexual, o enriquecimento ilícito, a intimidação vexatória (bullying) e a perseguição obsessiva (stalking);
- E aumentamos o rol dos crimes hediondos.
Por outro lado, eliminamos delitos que já não possuem relevância criminal, como:
- As contravenções;
- A casa de prostituição, os escritos, objetos e atos obscenos;
- O rufianismo (lucro através da exploração de prostituição alheia);
- O desacato;
- Portar droga para uso próprio;
- A panfletagem eleitoral conhecida como boca de urna e muitas outras condutas.
É importante reafirmar, ainda, que criamos a barganha penal, um dispositivo que permite o acordo entre as partes e resolve a lide logo após o recebimento da denúncia.
Tal instituto, largamente usado no direito norte-americano, é a solução adequada para que a Justiça se faça de maneira mais precisa, mais rápida e menos dispendiosa.
Alguns críticos alegam que "não há paridade entre as partes" no processo penal e que não se pode garantir o equilíbrio de forças nos eventuais acordos. Tal raciocínio, que beira o absurdo, pressupõe que o Ministério Público seria muito mais bem preparado para seu mister do que a defensoria pública ou os advogados privados, o que não se pode admitir sem desqualificar todos os defensores criminais.
Assim, esperamos contar com o apoio da sociedade e propostas democraticamente discutidas e votadas, em prol de uma legislação penal mais adequada ao Brasil do terceiro milênio.
Luiza Nagib Eluf é procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, e foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça no governo FHC.
Revista Consultor Jurídico, 19 de junho de 2012
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta terça-feira (19/6)
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