O Piauí é o segundo estado menos encarcerador do Brasil (atrás apenas do Maranhão), apresentando uma taxa de 90,01 presos a cada 100 mil habitantes - constatações do Instituto de Pesquisa e de Cultura Luiz Flávio Gomes (IPC-LFG), baseadas nos números do DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional, de junho de 2011.
Nos estabelecimentos penais piauienses, 72% do total de 2.831 detentos são presos provisórios, ou seja, ainda não foram julgados definitivamente.Trata-se de um dos maiores índices nacionais de detentos que aguardam julgamento (a média nacional é de 43%).
Conforme o relato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Mutirão Carcerário realizado entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, apesar de a população carcerária do estado não ser tão expressiva e a maioria apresentar baixa ou média periculosidade, o número de presos provisórios sobrecarrega o sistema, causando superlotação nas celas.
Na Casa de Custódia, por exemplo, destinada exclusivamente para presos provisórios, a superlotação é tamanha que existem de 2 a 3 presos por vaga na unidade.
O Relatório do Mutirão apontou ainda que muitos detentos do estado estavam submetidos a prisões ilegais, razão pela qual foram concedidas 405 liberdades, 325 (ou 80%) das quais beneficiaram presos provisórios.
No Judiciário do Piauí, faltam varas especializadas no interior. Já nas varas criminais, não há nenhum controle sobre os processos, tampouco prioridade para os que envolvem acusados presos, resultando numa enorme quantidade de processos sem julgamento.
A deficiência estatal abastece a insalubridade carcerária piauiense.
Comentários do Professor Luiz Flávio Gomes:
A questão mais séria que está por detrás das constatações do CNJ diz respeito à legitimidade das decisões judiciais que mandam as pessoas para as nefastas e cruéis cadeias nacionais. Sabemos que a legitimidade dos juízes (da jurisdição) não reside no consenso da maioria. O juiz não é político. Não deve tomar suas decisões conforme a vontade da maioria (embora às vezes haja coincidência). A legitimidade das decisões judiciais reside no respeito aos direitos humanos, ou seja, na tutela dos direitos e garantias fundamentais (Ferrajoli). No cumprimento desse mister muitas vezes a decisão legítima do juiz se torna contramajoritária.
A pergunta relevante (como bem sublinha Iñaki Rivera) é a seguinte: será que os juízes criminais (especialmente os brasileiros), que mandam centenas e centenas de pessoas diariamente para os imundos e desumanos cárceres brasileiros, sabem para onde estão mandando essas pessoas?
Se não sabem estão descumprindo seus deveres legais e constitucionais, de conhecer e visitar os presídios. Se sabem, estão nada mais nada menos que fazendo o mesmo papel dos juízes nazistas do tempo de Hitler, mandando gente para locais onde não vigora o Estado de Direito, contribuindo dessa forma para a manutenção perpétua de um sistema que conflita diretamente com todo o ordenamento jurídico (legal, constitucional e internacional). São coniventes (para não dizer responsáveis) com a manutenção de um sistema proibido, ou seja, vedado pelo Estado de Direito.
Mesmo assim, continuam enfrentando (menosprezando, ignorando) as normas jurídicas vigentes, em lugar de exigir respeito aos direitos humanos (tanto das vítimas quanto dos presos, que são vítimas dos desmandos do Estado, que conta, nesse ponto, com amplo apoio popular). Até quando os juízes brasileiros em sua maioria (há exceções honrosas) continuarão com os olhos vendados, não querendo enxergar a situação degradante e humilhante tanto das vítimas dos crimes quanto dos presídios brasileiros?
*Colaborou Mariana Cury Bunduky é advogada e pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.
Luiz Flávio Gomes é advogado e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Assine meu Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 24 de maio de 2012
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