Prisão, Medidas Cautelares e
liberdade provisória: COMENTÁRIOS À Lei 12.403/2011
NEEMIAS MORETTI
PRUDENTE
Mestre em Direito Penal pela
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP/SP). Especialista em Direito Penal e
Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal e Universidade
Federal do Paraná (ICPC/UFPR). Especializando em Direito Penal e
Processo Penal pelo Instituto Paranaense de Ensino (IEP/PR). Professor de
Ciências Criminais. Membro de vários institutos ligados a Ciências Criminais.
Membro do Corpo Editorial da Revista SÍNTESE de Direito Penal e Processual
Penal, entre outros. Autor de livros e artigos publicados em periódicos
nacionais e estrangeiros. Encontre-me no e-mail: neemias.criminal@gmail.com.
Acompanhe meus Blogs: www.infodireito.blogspot.com
e www.justicarestaurativaemdebate.blogspot.com.
Siga-me no Twitter: @neemiasprudente.
RESUMO: Como parte das reformas
que tem como objetivo aprimorar o processo penal e oferecer maior efetividade à
realização de justiça entrou em vigor a Lei 12.403/2011. Defendida por uns e
criticada por outros, a nova lei altera dispositivos importantes do velho
Código de Processo Penal, que foi editado há mais de sete décadas, quando eram
outras as condições do país. O presente artigo traz comentários a respeito de
tais alterações, bem como apresenta algumas críticas e sugestões. Boa leitura!
PALAVRAS-CHAVE:
Processo Penal - Prisões Cautelares – Medidas Cautelares - Liberdade - Lei
12.403/2011.
Considerações
iniciais
A prisão é uma forma cara de tornar as
pessoas piores (Douglas Hurd, ex-ministro da Justiça britânico).
O Brasil conta atualmente com 512 mil presos – é a terceira
maior população carcerária do mundo, ficando atrás somente dos Estados Unidos
(2,3 milhões de presos) e da China (1,7 milhões de presos). Do total da
população carcerária, 56% já foram condenados e estão cumprindo pena, e 44%
(225 mil) são presos provisórios que ainda esperam o julgamento de seus
processos (esse número abrange, além da prisão preventiva, a prisão em
flagrante e também a temporária). Ainda, segundo revela os mutirões carcerários
do Conselho Nacional de Justiça, muitas dessas prisões seriam desnecessárias e
ilegais.
A capacidade prisional é de cerca de 320 mil presos. Assim, o
déficit no sistema prisional gira em torno de 190 mil vagas (falta lugar para quase metade dos presos). Quase
60 mil pessoas se encontram encarceradas nas delegacias, pois as penitenciárias
e os cadeiões não comportam e não dispõem de infraestrutura adequada. A taxa de ocupação dos presídios é de 1,65 preso por
vaga. O Brasil está atrás somente da Bolívia, que tem uma taxa de 1,66. Há
cerca de 500 mil mandados de prisão já expedidos pela Justiça que não foram
cumpridos. Cerca de dez mil pessoas são detidas mensalmente. O índice de
punição de crimes é inferior a 10%. Isso mostra que, se a polícia fosse mais
eficiente, o poder público não teria onde colocar tantos presos e a
superlotação seria maior.
Investem-se milhões para
aumentar a capacidade do sistema penitenciário, mas o crescimento do número de
presos supera qualquer tentativa de resolver a superlotação. A construção de
novas prisões custa, em média, cerca de R$ 25 mil por vaga. Em termos de
manutenção das vagas existentes, cada preso custa, em média, cerca de R$ 1.800
por mês aos cofres públicos. É muito dinheiro. Para acabar com este déficit
prisional de uma só vez, calcula-se que seria preciso construir 396 prisões (cada
uma com capacidade para 500 detentos) e tudo estaria resolvido.
Sem dúvida, a prisão provisória é a grande responsável pelo boom carcerário e pelo déficit de vagas
no sistema penitenciário. Além de que, é nestas cadeias fétidas e desumanas
(que são regra no Brasil) que os presos provisórios (presumidamente inocente)
se encontram. Celas superlotadas guardam presos que
cometerem crimes sem gravidade e sem violência. Pessoas que aguardam meses, às
vezes anos presa, para, ao cabo, receberem como punição uma pena diferente da
privação de liberdade.
Pois bem. Diante deste caótico (fracassado) quadro, com o
objetivo (ou, pelo menos, a intenção) dos três “r” - i) reduzir a superpopulação carcerária, ii) reduzir os custos com os presos e iii) reduzir o número de pessoas que não precisam
de fato estar presas (famigerados “ladrões de galinha”), sejam enviadas ao cárcere (principalmente por serem pobres e não terem
meios de contratar um bom advogado) - no dia 04 de julho de 2011, depois de
tramitar por dez anos no Congresso, entrou em vigor a Lei n. 12.403/11,
alterando vários dispositivos do Decreto-Lei 3.689, de 1941 (Código de Processo
Penal), relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória e medidas
cautelares alternativas.[1]
Feitas
essas considerações iniciais, passaremos agora a tecer alguns comentários, bem
como críticas e sugestões, acerca da nova Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
Comentários
à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011
Com a edição da
Lei 12.403/2011, o Título IX do Código de Processo Penal passou a ser
denominado “Da prisão, das medidas
cautelares e da liberdade provisória”, não só disciplinando a prisão
cautelar, como também trazendo alternativas ao recolhimento do acusado ao
cárcere durante o processo.
Moderniza-se o
cumprimento de mandados de prisão, autorizando-se a sua remessa a outra
localidade por qualquer meio de comunicação, desde que se comprove a origem
autêntica da ordem (art. 289 e §§, CPP).
Temos um novo
artigo: o art. 289-A. Trata-se da criação de um banco de dados de mandados de
prisão em âmbito nacional, atualizado, a ser regulamentado (norma programática)
e mantido pelo Conselho Nacional de Justiça. Tal banco de dados deve conter o
registro de todos os mandados de prisão expedidos no País, dando margem ao seu
cumprimento por qualquer autoridade policial, esteja onde estiver o procurado. Assim
que a pessoa procurada é presa, compete ao juiz processante informar o CNJ para
a necessária atualização das informações.
Com a nova lei,
torna-se obrigatório a separação de presos provisórios dos definitivamente
condenados. Antes a lei dizia “sempre que possível”, agora a lei é impositiva,
afirma a separação, evitando que réus primários convivam, em prisões
superlotadas, com presos de alta periculosidade. Rompe-se
com o modelo perverso pelo qual novatos aprendem com veteranos do crime. A pessoa presa ganhou uma garantia e a não separação, pela
autoridade responsável, caracterizará constrangimento ilegal (art. 300, CPP).
Insere-se no Código de Processo Penal o mesmo
conteúdo do art. 5.º, LXI, da Constituição Federal, disciplinando as únicas
formas legítimas de prisão no Brasil. Encerra-se, de uma vez por todas, qualquer
discussão a respeito de quais são as prisões processuais existentes no Brasil:
apenas a prisão preventiva e a prisão temporária. Todas as demais estão
revogadas (Cf. o art. 283, CPP). Em outras palavras, não existem mais outras
modalidades de prisão cautelar diversas da prisão preventiva (arts. 312 e 313, CPP)
e prisão temporária (Lei 7.960/89). A prisão para apelar, a prisão decorrente
de sentença condenatória recorrível, a prisão da sentença de pronúncia e a
prisão administrativa estão fora do sistema processual penal brasileiro.
Agora, antes da
condenação definitiva, o sujeito só pode ser
preso em três situações: flagrante delito, prisão temporária e prisão
preventiva. Mas somente poderá permanecer
preso nas duas últimas, não existindo mais a prisão em flagrante como hipótese
de prisão cautelar garantidora do processo, ou seja, a prisão em flagrante
passou a ser uma mera detenção cautelar provisório pelo prazo de 24 horas, até
que o juiz decida – a prisão em flagrante não será nada após o prazo de 24 horas.
Mantem-se a disciplina da prisão
em flagrante, permitindo-se que qualquer pessoa do povo a realize e
constituindo obrigação da autoridade policial (art. 301, CPP). O flagrante pode
ser: a) próprio, quando o sujeito
está cometendo a infração penal ou acaba de cometê-la; b) impróprio, quando há perseguição ao agente, logo após, pela
autoridade, pela vítima ou qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser
autor do delito; c) presumido, quando
o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis,
que façam presumir ser ele o autor da infração (art. 302, CPP). Formaliza-se a
prisão em flagrante diante da autoridade competente, ouvindo-se o condutor
(quem deu a voz de prisão), as testemunhas e o indiciado, se quiser manifestar-se,
pois há o direito ao silêncio (art. 304, CPP).
A nova lei amplia a garantia de
comunicação obrigatória da prisão, que será feita, agora, também ao Ministério
Público, além de se manter ao juiz competente, a família e a pessoa por ele
indicada. Quem não tiver advogado, receberá a assistência da Defensoria Pública
(art. 306, CPP).
Toda prisão em flagrante deverá ser comunicada ao juiz no
prazo máximo de 24 horas e, este, quando receber o flagrante, terá então quatro
possibilidades: 1) decretar a prisão temporária, cabível nas restritas
hipóteses da Lei n. 7.960/89 e somente quando imprescindível para a
investigação policial de alguns crimes elencados em rol taxativo; 2) relaxar a
prisão, quando ilegal; 3) conceder liberdade provisória com medidas cautelares
ou sem medidas cautelares; 4) converter a prisão em flagrante em preventiva, se
presente os requisitos do art. 312 do CPP e não cabível nenhuma outra medida
cautelar alternativa. Qualquer medida deve ser fundamentada (fato + direito).
Se anteriormente a prisão preventiva era aplicada
excessivamente no Brasil, como uma espécie de antecipação da pena, agora, com a
nova lei, a prisão preventiva (que é uma medida cautelar) passou a ser medida
cautelar excepcional, aplicável apenas se outras cautelares restarem
insuficientes ou forem de aplicação impossível. Trata-se da prisão cautelar,
segundo LFG (2011, p. 16), como extrema
ratio da ultima ratio. A regra é
a liberdade; a exceção são as cautelares restritivas da liberdade (art. 319,
CPP); dentre elas, por último, a prisão, por expressão previsão legal.
Não obstante, a prisão preventiva pode ser
decretada em qualquer fase da investigação ou do processo, conforme
requerimento do Ministério Público, do querelante (ação privada), do assistente
de acusação (ação pública) ou por representação da autoridade policial. Em
juízo ela pode ser decretada de ofício pelo magistrado (art. 311, CPP). Fala-se
que a prisão preventiva pode ser de três tipos: inicial (quando decretada durante a
investigação ou o processo), derivada
(se resultar da conversão do flagrante) e substitutiva
(em lugar de medidas cautelares
descumpridas pelo agente).[2]
Mantêm-se os mesmos requisitos para a
preventiva: materialidade (existência do crime) + indício suficiente de autoria
+ elemento alternativo: a) garantia da ordem pública; b) garantia da ordem
econômica; c) conveniência da instrução criminal; d) assegurar a aplicação da
lei penal (art. 312, CPP).[3]
Acrescenta-se a possibilidade de sua decretação para o descumprimento
(ineficácia) de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas
cautelares (art. 319, CPP).
A prisão preventiva só será decretada nos
crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade superior a quatro anos ou se houver reincidência em crime doloso ou
ainda se o crime praticado envolver violência doméstica e familiar, não somente
contra a mulher, mas também contra a criança, o adolescente, o idoso, o enfermo
e a pessoa com deficiência (art. 313, CPP).
Se o réu for primário (não reincidente) cuja
pena máxima em abstrato cominada para o delito praticado for igual ou inferior a 4 anos, o juiz deverá adotar as medidas
cautelares alternativas, pois o juiz não terá amparo legal para decretar a
prisão preventiva do indiciado/acusado (cláusula legal objetiva).[4]
Com a nova lei, mesmo nos crimes
com pena superior a quatro anos, a prisão preventiva somente poderá ser
decretada pelo juiz em último caso, se entender que nenhuma das outras medidas
cautelares é adequada à situação. É dizer, ausente os requisitos que
autorizam a decretação da custódia preventiva dos acusados, as medidas
cautelares se impõem (lembrando que: prisão preventiva não é pressuposto de
condenação).
Importante destacar que: toda decisão, que decreta, substitui
ou revoga a preventiva, deve ser motivada (art. 315, CPP).
Em suma, restringem-se as hipóteses admissíveis da
preventiva: crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima superior a
quatro anos, reincidência dolosa e violência doméstica e familiar.
Cria-se uma inédita hipótese de prisão preventiva utilitária, voltada ao indiciado/réu cuja
identidade civil for duvidosa e não houver elementos para esclarecê-la; porém,
a prisão cessa seus efeitos assim que a dúvida for sanada (art. 313, parágrafo
único, CPP).
Mantém se a vedação da aplicação de prisão
preventiva a quem tiver cometido o fato típico sob o manto protetor de alguma
excludente de ilicitude (art. 23, CP), devendo o juiz conceder liberdade
provisória, sem fiança.
Assim, com a nova lei, está mais claro que nunca: não se pode
mais manter na cadeia, aguardando julgamento, homens e mulheres que, se
condenados, receberão uma pena diferente da pena de prisão, como a prestação
gratuita de serviços à comunidade ou outra pena alternativa. É dizer, não faz
sentido prender provisoriamente pessoas acusadas por tais crimes, já que alguém
condenado por eles dificilmente será mandado para a cadeia e cumprirá apenas
uma pena alternativa.
Surge a prisão
domiciliar cautelar, que se justifica ou pela condição pessoal do agente,
ou pela condição de necessidade de seus dependentes. Em lugar de se manter o
preso em cárcere fechado, é inserido em recolhimento ocorrido em seu domicílio,
durante as 24 horas do dia (art. 317, CPP). Cuida-se de uma faculdade do juiz,
atendendo às peculiaridades do caso concreto, desde que respeitado alguns dos
seguintes requisitos (rol taxativo): a) ser o agente maior de 80 anos; b) estar
o agente extremamente debilitado por motivo de doença grave; c) ser o agente
imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência;
d) ser gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco
(art. 318, I/IV, CPP). Caberá ao juiz deferir a prisão domiciliar diante de
prova idônea dos requisitos legais (art. 318, parágrafo único, CPP).
O art. 321 regula o cabimento da liberdade provisória para
todas as hipóteses quando ausentes os requisitos da prisão preventiva. Nesse
caso, deve o juiz impor uma das medidas cautelares do art. 319, alternativas à
prisão.
Sem dúvida, a maior virtude da lei é a ampliação do rol de
medidas cautelares, antes centradas na prisão preventiva e na liberdade
provisória. O novo art. 319 traz nove medidas cautelares diversas da prisão,
para serem aplicadas com prioridade, antes de o juiz decretar a prisão
preventiva que, com a reforma da Lei 12.403, passou a ser subsidiária/excepcional,
em plena harmonia com o Direito Penal da intervenção mínima (Cf. NUCCI, 2011,
p. 50). É dizer, as novas medidas cautelares tem preferência sobre a decretação
da prisão preventiva.
A nova sistemática confere ao Estado maior controle sobre o
agente. Se entre a liberdade e a prisão nada mais havia, doravante o juiz terá
à sua disposição nada menos que nove medidas cautelares de alto impacto pessoal
e social.
Para a aplicação das novas medidas cautelares processuais
penais, alternativas à prisão, criam-se dois critérios básicos: necessariedade e adequabilidade. Sob o manto do primeiro, deve-se verificar a
indispensabilidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou para a
instrução criminal, além de servir para evitar a prática de infrações penais.
Sob o segundo, atende-se à gravidade do crime, circunstâncias do fato e
condições pessoais do indiciado/acusado (art. 282, I/II, CPP).
Podem pleitear as medidas cautelares, durante o processo: a)
Ministério Público; b) querelante (ação privada); c) assistente de acusação
(ação pública), o que antes não era permitido; Pode o juiz decretá-las de
ofício. Podem requerer as medidas cautelares, durante a investigação criminal:
a) Ministério Público; b) autoridade policial (por representação). O juiz não
pode decretá-las de ofício (art. 282, § 2.º).
O magistrado poderá optar por uma ou mais cautelares
concomitantemente, sempre justificando sua decisão (art. 282, §1.º). As nove
medidas cautelares estão previstas no art. 319 do CPP, quais sejam: i) o
comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz,
para narrar e justificar suas atividades; ii) a proibição de frequência a
determinados lugares, desde que relacionados ao fato, evitando-se o risco de
novas infrações; iii) a proibição de manter contato com pessoa certa,
mantendo-se distante; iv) a vedação de se ausentar da Comarca, conforme a
conveniência da investigação ou da instrução; v) o recolhimento domiciliar, à
noite e durante as folgas; vi) a suspensão do exercício de função pública ou
atividade econômica ou financeira, conforme o caso concreto; vii) a internação
provisória do enfermo ou perturbado mental, havendo risco de reiteração do
fato; viii) a fiança; ix) a monitoração eletrônica.[5]
Expressamente, menciona-se a proibição de deixar o País, com o recolhimento do
passaporte e o alerta às autoridades competentes (art. 320, CPP).
Observa-se que várias delas já são conhecidas como condições
para o gozo do sursis, livramento
condicional ou regime aberto. Há, inclusive, medida cautelar utilizada como
pena alternativa, caso da proibição de frequentar determinados lugares. A
novidade diz respeito à internação provisória, que permite o recolhimento
cautelar de enfermos e perturbados mentais, que tenham cometido fato criminoso
grave, sob suspeita de reiteração. Também, outra novidade, é a monitoração
eletrônica como medida cautelar, dilatando, sobremaneira, a sua relevância,
antes restrita às saídas temporárias de presos no regime semiaberto e às
prisões domiciliares (Cf. a Lei n.º 12.258/2010).[6]
Quanto à fiança, que não é bem novidade, mas tinha caído em
desuso, a nova lei revitalizou-a. Agora deixa de ser somente uma garantia real,
aplicada na concessão de liberdade provisória, para tornar-se medida cautelar,
passível de cumulação com outras medidas provisórias. Além de que, com a
fiança, prestigia-se à vítima, que nela poderá buscar a reparação pelos danos
sofridos.
A lei estabelece novos critérios para o cálculo de fianças,
utilizando como base o salário mínimo, bem como permitindo ao juiz que diminua
ou aumente os valores, conforme a concreta situação econômica do indiciado/réu.
A fixação da fiança pode ser feita pela autoridade policial
para os casos de infrações cuja pena máxima não ultrapasse quatro anos (no
valor de 01 a
100 salários mínimos). No mais, cabe ao juiz, ou seja, pena máxima superior a
04 anos, apenas o juiz poderá fixá-la (no valor de 10 a 200 salários mínimos).
Em outras palavras, há novos valores para a fiança; a) de 1 a 100 salários mínimos para
infrações cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse quatro anos; b) 10 a 200 salários mínimos para infrações cuja
pena máxima atinge mais de quatro anos.
Neste caso, quando o máximo da pena privativa de liberdade
cominada for superior a quatro anos,
o valor poderá, dependendo da condição financeira do indiciado/acusado, ser: i)
dispensado para o réu pobre; ii) reduzido até o máximo de 2/3 (dois terços); ou
ainda iii) aumentado em até mil vezes - e chegar a 200 mil salários mínimos, o
equivalente a aproximadamente R$ 109 milhões. Uma fortuna! (art. 325, CPP).
A fiança pode ser parcelada. Se o acusado não depositar, é
preso. Até a destinação final, o dinheiro da fiança fica em conta judicial. Em
caso de condenação, é usado para reparação do dano, destinado à vítima, e
pagamento de multa penal e custas, ai destinado a União. Na absolvição ou
extinção da ação penal, o dinheiro é devolvido ao acusado, acrescido de
atualização monetária. Na hipótese de quebra da fiança (prática de ato de
obstrução ao processo, descumprimento de medida cautelar imposta e resistir a
ordem judicial), perderá metade do seu valor. É dizer, a pessoa fica ciente: se
quiser reaver o dinheiro vai ter que cumprir as condições impostas.
Somente são inafiançáveis os casos previstos na Constituição
Federal: a) racismo; b) tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes
hediondos; c) delitos de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático de Direito (art. 323, CPP). Proíbe-se a
fiança, ainda: a) a quem a tenha anteriormente quebrado; b) em caso de prisão
civil ou militar; c) quando presentes os requisitos da preventiva (art. 324,
CPP)
Todavia, não havendo necessidade de
prisão preventiva, nem de providências cautelares alternativas, caberá
liberdade provisória. Só que aqui, não
existe a possibilidade de o juiz optar pela fiança, já que esta é vedada para
tais crimes.
Em tese, a fiança deve ficar como última medida cautelar,
principalmente para detentores de poder econômico e político (v.g. indivíduos
que praticarem crimes financeiros, políticos, lavagem de capitais, fraudes, e
evasão de divisas). Permitindo, assim, a possibilidade de concessão de
liberdade provisória, sem fiança, se o indiciado/réu apresentar precária
situação econômica.
Abrindo
um parêntese, sobre a fiança, nota-se que desde que entrou em vigor a lei,
magistrados estão jogando pesado, fixando valores elevados a título de fiança
para os acusados.[7] Todavia,
temos que destacar que o Brasil é um país pobre. O arbitramento da fiança não
pode ser imposto em montantes que a tornem inacessível. Se os magistrados
exagerarem na graduação do valor vão inviabilizar o instituto da fiança (v.g.
em SP, 95% dos casos, as pessoas não tem condições de pagar e continuam presas).
A imposição de valor num quantum inacessível ao acusado equivale a negar-lhe
fiança. Não pode o magistrado querer denegar a liberdade mediante o pagamento
de fiança. Não podendo pagar o acusado vai ficar preso. Tem que se haver o
equilíbrio e o bom senso do magistrado.
Não obstante, as medidas cautelares buscam dois objetivos:
permitir que o acusado responda solto e garantir sua vinculação ao processo
(comparecimento a atos do processo). Perceba-se:
as medidas cautelares funcionarão como uma espécie de "período de prova
preventivo" durante o processo. O descumprimento de obrigações impostas poderá
dar ensejo ao decreto prisional.
Todavia, a pergunta que não quer
calar: “será que o Estado terá condições
de aplicar (e fiscalizar) essas medidas cautelares alternativas?” Não
obstante, para que a eficácia das medidas cautelares seja efetivamente
garantida, é imprescindível que os órgãos responsáveis pela segurança pública
se equipem com instrumentos que possibilitem a fiscalização do cumprimento das
medidas.
Outro ponto que se destaca é a premente necessidade de
aquisição de tornozeleiras eletrônicas por parte do Estado. Somente com esse equipamento o inciso IX do artigo 319 do
CPP terá aplicação prática. Além disso, as tornozeleiras facilitariam a
fiscalização de outras medidas cautelares.
O descumprimento da medida cautelar
pode gerar a sua substituição por outra medida, a cumulação com outra restrição
ou, em último caso, a decretação da preventiva (art. 282, §4.º, CPP).
Segundo Guilherme de Souza Nucci
(2011, p. 88), “o sucesso ou fracasso das
novas medidas dependerá de dois fatores preponderantes: a) a efetiva aplicação
pelos juízes; b) o apoio, em forma de recurso estatal, para muitas delas, como,
por exemplo, a monitoração eletrônica.” Inclusive, a medida mais cara é o
monitoramento eletrônico, com custo aproximado de R$ 600 a 800 (aparelho) e R$ 100
por mês (manutenção).
Para fechar este tópico, com a nova
lei, quatro artigos do velho Código de Processo Penal foram expressamente
revogados – arts. 323, IV; 393; 439 e 595.
Agora, revogou-se a hipótese de
prisão do réu vadio, extirpando-se mais um
dispositivo inconstitucional presente no CPP, pois a ciência criminal deve ser
direcionada aos fatos praticados, e não desenhado pelo legislador para
determinado grupo de pessoas (MARQUES, 2011).
Não há, como efeito da sentença
condenatória, a prisão processual obrigatória.
O jurado mantém o direito à prisão
especial, com base no art. 295, X, do CPP, embora revogado a segunda parte do
art. 439 do mesmo Código.
A revogação do art. 595, que
consolida o entendimento de que o conhecimento da apelação do réu não se
vincula à sua prisão processual. É dizer, não há mais que se falar em deserção
pela fuga do réu, após ter apelado, tendo em vista a revogação do art. 595 do
CPP e a regra contida na Súmula 347 do STJ: “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.
Inclusiva, há tempo vínhamos sustentando a patente inconstitucionalidade deste dispositivo.
Considerações finais
Para os opositores, com a entrada da lei no país, se estaria na contramão
da histórica, pois a maioria dos países vem adotando leis mais severas para
combater a criminalidade.[8] Eles também afirmam que
comprometerá a segurança pública, temendo que a liberação dos acusados cause
sensação de insegurança na sociedade, além de reforçar o sentimento de
impunidade na população, que vai desacreditar o trabalho da polícia, já que a
pessoa que é presa será colocada imediatamente em liberdade.
Com a devida vênia, este movimento contrário a lei tem uma explicação
sociocultural: a gente acha que alguém só é punido quando é preso. Não
obstante, a lei não vai abrir caminho à impunidade. Não são todos os presos provisórios
que vão para a rua, já que a maior parte desse contingente não se enquadra no
perfil estabelecido pelo recente diploma legal, além de que, mesmo que as
mudanças tenham entrado em vigor, é preciso que um advogado representando o
preso provisório solicite a soltura e que um juiz aceite o pedido. Por essa
razão, nem todos os que têm direito à liberdade, conforme a lei, deixarão a
prisão. Na verdade, quem vai ser libertado é por que não deveria estar preso.
Destarte, há uma ilusão na sociedade, pois as pessoas acham que a prisão
garante a segurança pública, mas, na maioria das vezes, a prisão é que produz o
próximo problema, pois mais inseguro ainda é deixar essas pessoas presas,
convivendo com criminosos experientes. Manter na prisão quem
comete infrações sem violência, não é perigoso nem se constitui em ameaça concreta
ao convívio social é uma insensatez e desperdício dos recursos gerados com o
pagamento de nossos impostos. Também, temos que lembrar que a prisão preventiva
não é para punir. É uma medida, excepcional, aplicada antes de uma pessoa ser
considerada culpada. A regra é: o
processo você aguarda em liberdade.
A Lei n.º 12.403/2011 constitui,
sem dúvida alguma, em nosso entendimento, avanço e importante instrumento de
justiça, por colocar a prisão, de uma vez por todas, como uma medida de exceção. Utilizando os dizeres de Luiz Flávio
Gomes (2011, p. 25) “a prisão cautelar é
a extrama ratio da ultima ratio (que é o direito penal)”.
A
liberdade não é algo passível de devolução. Um presumido inocente não será
levado à prisão injustificadamente. Esse é o paradigma constitucional. Ou seja,
a reforma da lei elimina a cultura judicial do país de prender cautelarmente os
que são presumidos inocentes pela Constituição Federal. Desde 1988, nossa Carta
Política impõe ao Estado que ninguém seja levado à prisão ou nela mantido
quando a lei admitir a liberdade (inciso LXVI do artigo 5.º). Agora,
abre-se um leque para a imposição de medidas cautelares (diversas da prisão) de
caráter pessoal, permitindo a fiscalização sobre quem é suspeito e está sendo
processado, fortificando o princípio constitucional
da presunção de não culpabilidade.
Por fim, caberá ao Poder Judiciário
traçar estratégias e aplicá-la com vontade e criatividade, para dela extrair o
máximo de efetividade. Contudo, para garantir a eficácia dessas medidas é imprescindível
que o Estado forneça os instrumentos necessários a sua fiscalização, sob pena
de a nova Lei não conseguir consagrar seus princípios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código de Processo Penal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>.
Acesso em: 17 de novembro de 2011.
GOMES, Luiz Flávio; MARQUES, Ivan Luís
(Coord.). Prisão e Medidas Cautelares.
2. tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
LEMGRUBER, Julita. O Custo das
prisões. O Estado de São Paulo, São
Paulo, 17 de julho de 2011. Aliás, p. J6.
MARQUES, Ivan Luís. Resumo em 15 tópicos sobre as mudanças da
lei 12.403. Disponível em: <http://www.ipclfg.com.br/colunista-convidados/ivan-luis-marques/resumo-em-15-topicos-sobre-as-mudancas-da-lei-12-403/>.
Acesso em: 10 de novembro de 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e liberdade: as reformas
processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de mai de 2011. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
O COLAPSO do sistema prisional. O Estado de São Paulo, São Paulo, 03 de
janeiro de 2011. Notas e Informações, p. A3.
OLIVEIRA, Flávio Cardoso de. Direito processual penal. 5 ed. São
Paulo: Saraiva, 2011 (Coleção OAB nacional. Primeira fase).
ROSA, Alexandre Morais; PRUDENTE,
Neemias Moretti (Orgs.). Monitoramento
Eletrônico em Debate. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2012.
PRUDENTE, Neemias Moretti. Sistema
Prisional Brasileiro: Desafios e soluções. Revista
do Ministério Público Militar, Brasília, v. 22, p. 309-322, nov. 2011.
Disponível em: <http://www.mpm.gov.br/mpm/servicos/assessoria-de-comunicacao/revista-do-mpm/livro%20final%20completo%20em%20pdf.pdf>.
Acesso em: 01 de dezembro de 2011.
______.
Breves considerações acerca da figura da deserção. Revista Nobel Iuris, Maringá, v.3, p.171-178, 2005.
[1] O projeto de lei que sugeriu a mudança foi
apresentado pelo Executivo em 2001, em conjunto com outras sete propostas,
todas elaboradas por uma comissão de membros do Instituto Brasileiro de Direito
Processual, como Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e
Miguel Reale Jr. Em 2004, o projeto foi apontado como 'essencial à modernização
do processo penal'. Mesmo assim, a lei demorou dez anos para ser aprovada e
sancionada.
[2] MAZLOUM, 2011.
[3] Conforme NUCCI: A garantia da ordem pública é o mais
abrangente dos requisitos, que se calca em alguns pontos básicos; gravidade
concreta do crime, repercussão social, maneira destacada de execução, condições
pessoais negativas do autor e envolvimento com quadrilha, bando ou organização
criminosa; A garantia da ordem econômica é
espécie de garantia da ordem pública. Além dos requisitos supra mencionados,
comporta particularidades, como afetação à segurança econômica, pela
continuidade da atividade criminosa pelo agente do colarinho branco; A conveniência da instrução criminal é
restrita, baseada, como regra, na colheita das provas. Se esta se der de
maneira livre e escorreita, descabe a preventiva. Se for perturbada pelo
acusado, emerge a necessidade da cautelar; A aplicação da lei penal também é restrita. Calca-se,
fundamentalmente, na potencialidade de fuga do indiciado ou réu, desde que
lastreada em fatos e não meras presunções (2011, p. 73).
[4] Também não poderão ser preventivamente presos os
acusados pelas tentativas de abuso de incapazes, incêndio, falsificação de
documento e estelionato, entre outros. Isso porque, quando o crime não é
consumado, a pena é reduzida.
[5] Uma observação: a lei não prevê desconto na pena
de quem foi submetido a uma medida cautelar. Quem fica em prisão domiciliar,
por exemplo, não poderá usar esse tempo para reduzir a possível pena?
Acreditamos que sim, dependendo do caso concreto e de qual (is) medida (s)
cautelar (es) foi (ram) imposta (s).
[6] Recentemente o Decreto 7.627, de 24 de novembro de
2011, passou a regulamentar a monitoração
eletrônica de pessoas prevista no Decreto Lei 3.689, de 3 de outubro de
1941 – Código de Processo Penal, e na Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei
de Execução Penal.
[7] Por exemplo: O juiz Marcelo
Cerveira Gurgel, da 2ª Vara Criminal de Itabaiana (SE), fixou a fiança de um
homem preso por porte ilegal de arma em R$ 54,5 milhões - valor máximo
permitido para o caso. Segundo a polícia, Hélio Márcio Pereira dos Santos,
flagrado com a arma, confessou que recebeu R$ 2.000 para matar uma mulher
grávida de sete meses. O juiz considerou o valor "inestimável" da
vida da vítima que supostamente seria morta e fixou o maior valor possível para
o caso - cem salários mínimos aumentados em mil vezes; O juiz Nelson Augusto
Bernardes de Souza, da 3. Vara Criminal de Campinas, impôs a severa sanção - R$
10,9 milhões a um empresário, alvo de investigação por suposta formação de
cartel e fraudes em licitações na área de serviços. A defesa recorreu ao TJ,
que mandou reduzir a punição, pela metade – R$ 5,45 milhões; Em julho, o
motorista de um Porsche pagou R$
300 mil de fiança após se
envolver um acidente que matou uma advogada em São Paulo.
[8] Todavia, os países que apostaram no encarceramento em
massa como estratégia de controla da criminalidade estão revendo sua posição.
Nos EUA, a Suprema Corte determinou que o Estado da Califórnia reduza nos
próximos dois anos, em 33 mil seu número de presos. Ali as condições de
encarceramento foral julgadas degradantes e cruéis. Outros Estados trabalham na
revisão de suas leis penais.
Como citar este artigo: PRUDENTE, Neemias Moretti. Prisão,
medidas cautelares e liberdade provisória: comentários à Lei 12.403/2011. Revista Síntese de Direito Penal e
Processual Penal. São Paulo, ano XI, v. 72, p. 77-89, fev./mar. 2012.
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