A crise econômica nos Estados Unidos poderá forçar a extinção da pena de morte na Califórnia — e salvar a vida de 725 prisioneiros no corredor da morte no estado. A Califórnia não tem mais dinheiro para manter e executar sentenciados à pena capital. Por isso, o governo estadual vai incluir uma proposta de medida legislativa nas eleições de novembro, a ser votada pelos californianos, que extingue a pena de morte no estado, o que vai resultar na "economia de milhões de dólares" para os cofres públicos. A notícia foi publicada, nesta terça-feira (24/4), pelo San Francisco Chronicle e peloLos Angeles Times.
A proposta, anunciada pela secretária de Estado Debra Bowen, prevê a comutação da pena de morte em pena de prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional. E será a pena máxima que os promotores poderão pedir em julgamentos criminais, se a medida passar. As chances para isso são altas, dizem os jornais, porque antigos defensores da pena de morte mudaram de opinião, diante dos custos de manutenção do sistema. "Nosso sistema está quebrado, muito caro e sujeito a grandes erros", declarou aos jornais a ex-diretora da Prisão Estadual San Quentin, Jeanne Woodford, que já supervisionou quatro execuções.
As graves dificuldades financeiras da Califórnia converteram árduos defensores da pena de morte, no passado, para a causa da extinção dessa sentença — além da "executora de San Quentin". Agora apoiam a medida o político Ron Briggs, que conduziu uma bem-sucedida campanha em 1978 para expandir o alcance da pena de morte no estado; o ex-promotor Donald Heller, que redigiu a medida legislativa em 1978; e o ex-advogado geral do condado de Los Angeles Gil Garcetti, que declarou haver mudado de ideia sobre a equidade do sistema, depois de sua experiência no cargo, mas admitiu que os altos custos do sistema terem sido o fator mais convincente para ele. Eles e muitos outros políticos conservadores estão se alinhando, agora, com uma instituição que odeiam: a liberalAmerican Civil Liberty Union (UCLU), defensora dos direitos humanos.
Um estudo de três anos, feito pelo juiz Arthur Alarcon e a professora de Direito Paula Mitchell, concluiu no ano passado que a pena de morte, na Califórnia, custa US$ 183 milhões a mais para ser administrada, do que a pena de prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional. O estudo também concluiu que 13 execuções feitas pelo estado custaram aos contribuintes US$ 4 bilhões.
Nos últimos cinco anos, quatro estados americanos substituíram a pena de morte pela pena de prisão perpétua, no embalo da crise financeira do país. O estado de Connecticut deverá fazer o mesmo em breve. No total, 15 estados americanos e o Distrito de Colúmbia (D.C. – o Distrito Federal dos EUA) já aboliram a pena de morte. Connecticut deverá ser o 16º e a Califórnia o 17º estado na lista. Dos 50 estados americanos, 33 ainda possuem a pena de morte.
Segundo a Wikipédia, o Texas é o campeão de execuções no país (481 executados, desde 1976). E, provavelmente, será o último estado do país a extinguir a pena de morte, por sua natureza conservadora. New Hampshire é o que menos executa, entre os estados que têm pena de morte (Nenhuma execução no período, embora tenha um prisioneiro no corredor da morte). Michigan foi o primeiro território de língua inglesa do mundo a abolir a pena de morte — em 1938, antes de se tornar um estado dos EUA — para todos os tipos de crimes, exceto para casos de traição do país e do estado. Wisconsin foi o primeiro estado a abolir a pena de morte para qualquer tipo de crime.
Desde 1976, os EUA já executaram 1,292 prisioneiros e mantêm 3.199 no corredor da morte. Uma pesquisa da Gallup de 2011 mostrou que 65% dos americanos ainda são a favor da pena de morte e 31% são contra (com 4% de indecisos). Outra pesquisa da Gallup, de 2010, mostrou que entre a pena de morte e a pena de prisão perpétua, sem direito a condicional, a relação é de 49% versus 46% (com 5% de indecisos). É possível que, com a campanha contra a pena de morte na Califórnia, a situação chegue a um empate ou se inverta.
A Califórnia é o estado que tem mais prisioneiros no corredor da morte (725), mas só executou três, também desde 1976 (e 13, historicamente). A maioria morre por outras razões, que não a injeção letal da execução. Do dinheiro poupado com a extinção da pena de morte — manutenção da prisão de San Quentin e dos prisioneiros, dispensa de promotores e advogados de defesa que se dedicam exclusivamente a casos que envolvem a pena capital e do desmantelamento de todo o sistema de execução (incluindo intervenções judiciais), o estado pretende alocar US$ 100 milhões para a investigação de crimes não resolvidos.
Os prisioneiros, atualmente no corredor da morte em San Quentin, serão remanejados para o sistema prisional comum e voltarão a trabalhar, para pagar pela "hospedagem" — embora haja uma vertente da população que prefere ver a renda apurada ser revertida em favor de vítimas de crimes. A maioria dos prisioneiros no corredor da morte não trabalha "por razões de segurança", dizem os jornais.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2012
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