A população dos Estados Unidos teve, nesta quarta-feira (21/9), a sua noite da pena de morte. Por coincidência, foram marcadas para as 19h (horário de Nova York) duas execuções, a 34ª e a 35ª do ano. No Texas, um supremacista branco foi executado pelo assassinato de um homem negro. Na Geórgia, um homem negro foi executado pela morte de um policial branco. Em Jasper, Texas, não houve comoção. Em Savannah, Geórgia, a execução pode ter criado um mártir da luta contra a pena de morte.
Milhares de pessoas protestaram na Geórgia. Centenas de pessoas fizeram vigília do lado de fora da instituição penal. Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas para pedir clemência em diversas cidades dos EUA, em Paris e em Londres. Pedidos de clemência foram feitos pelo papa Bento XVI, pelo ex-presidente Jimmy Carter, pelo prêmio nobel da paz Desmond Tuto, por 51 parlamentares federais, pela Anistia Internacional. Todos se convenceram da inocência do réu — menos o sistema judiciário. Troy Davis foi executado por injeção letal pouco antes das 23h e 15 minutos mais tarde foi declarado morto.
A Suprema Corte da Geórgia levou mais de 4 horas para anunciar sua decisão sobre um último recurso apresentado pela defesa do réu. Uma grande parte da população americana foi mais rápida em concluir que chegou a hora de colocar o sistema judiciário em julgamento. Há previsões de que a execução da Troy Davis vai fortalecer a luta interna contra a pena de morte, em um dos países que mais a executa no mundo. A contar de 1976, 1.093 presos foram executados por injeção letal, 157 por cadeira elétrica, 11 em câmara de gás, 3 por enforcamento e 3 por pelotão de fuzilamento, diz osite da CBS.
Na madruga de 7 de junho de 1998, James Byrd, homem negro de 49 anos, sem emprego e sem carro, caminhava em direção a sua casa em Jasper, Texas, quando aceitou a carona na carroceria de uma camionete, com três homens brancos na cabine. A 16 quilômetros da cidade, Byrd foi espancado, cortado no pescoço, acorrentado no para-choque da camionete e arrastado pelo asfalto da estrada por 5 quilômetros. Pedaços de seu corpo foram encontrados em 75 pontos diferentes e o que sobrou foi jogado em um terreno entre uma igreja de negros e um cemitério.
Por esse crime, Lawrence Russel Brewer, 44 anos, foi executado esta semana por injeção letal, por volta das 19h e declarado morto 10 minutos mais tarde. Seu amigo John William King, com quem planejava criar um núcleo da supremacia branca em Jasper, está no corredor da morte. Shawn Allen Berry foi condenado à prisão perpétua. As palavras finais de Brewer, antes da execução, foram: "Não tenho nada a declarar", segundo o chron.com.
O crime despertou uma avalanche de suporte no Texas e em todos os Estados Unidos em favor de leis que agravassem as punições para crimes motivados por raça, religião, deficiência, orientação sexual, nacionalidade ou descendência, de acordo com a Reuters. Em 2001, o Texas finalmente aprovou a sua lei do "crime de ódio", que levou o nome de James Byrd.
A única objeção e o único pedido de clemência em favor de Brewer foram apresentados esta semana por James Byrd Jr., filho de James Byrd. "Não se pode lutar contra o assassinato com outro assassinato", declarou ele a Reuters na terça-feira. "Eu espero que o estado lhe conceda a clemência que ele não concedeu a meu pai", disse.
Em Savannah, em uma noite de 1989, o assassinato do policial Mark MacPhail teve um motivo fútil. Ele foi socorrer um sem-teto, que estava sendo espancado por três homens por causa de uma latinha de cerveja. Levou dois tiros, um na cabeça, outro no coração. A revolta que se espalhou pelo mundo contra a execução de Troy Davis se deu porque havia dúvidas sérias sobre a autoria do crime. Várias pessoas testemunharam, recentemente, que outro participante do grupo, Sylvester Coles, admitira o crime em algumas ocasiões.
O jornal inglês The Guardian lembrou, em sua edição, que o Conselho de Perdãos e Livramentos Condicionais da Geórgia declarou, em 2007, que Troy Davis não seria condenado à pena de morte, se houvesse qualquer dúvida sobre sua culpa. Como o conselho negou na segunda-feira um pedido de clemência a favor de Davis, o jornal apresentou dez razões porque deveria fazê-lo:
1) Das nove testemunhas que apontaram Davis como o assassino do policial, sete se retrataram.
2) Um deles, Antoine Williams, revelou que várias testemunhas eram analfabetas à época da investigação policial, e sequer conseguiram ler as declarações escritas que lhes foram apresentadas para assinar.
3) As testemunhas teriam sido convencidas pela Polícia a declarar que ouviram Davis confessar o crime. Foram ameaçadas de elas mesmas serem levadas a julgamento, se não cooperassem.
4) Dos dois que não se retrataram, um se manteve em silêncio desde a condenação e se recusa a falar; o outro é Sylvester Coles que, por sinal, foi o primeiro a procurar a Polícia e a apontar para Davis como o autor do crime. Nos últimos anos, firmou-se a ideia de que ele fez isso para salvar a própria pele.
5) Recentemente, nove pessoas apresentaram evidências de que Coles seria o assassino. Segunda-feira, perante o Conselho, Quiana Glover declarou que em junho de 2009, ela ouviu Coles confessar que matara MacPhail, depois de se embebedar em uma festa.
6) À parte da evidência testemunhal, já colocada em dúvida, não há evidência forense para comprovar o crime.
7) Em particular, não há qualquer evidência de DNA que incrimine Davis. O grupo de direitos humanos "Projeto Constituição" afirma que três quartos dos presos, libertados eventualmente porque são declarados inocentes, foram condenados com base em falso testemunho.
8) A arma do crime nunca foi encontrada. Coles admitiu, uma vez, que possuía um revólver calibre 38, como o que foi usado no crime, mas que a deu a outro homem um pouco antes dos acontecimentos.
9) Tribunais superiores nos EUA se recusaram, repetidamente, a autorizar um novo julgamento para Davis, com o argumento de que ele não conseguiu "provar sua inocência". Seus defensores dizem que os tribunais deveriam se posicionar além de qualquer dúvida razoável da culpa do réu.
10) Uma das comprovações de que há uma dúvida razoável é a de que essa já é a quarta vez que a execução de Davis é programada. Entre as três que foram suspensas, a de 2008 foi interrompida a 90 minutos da hora marcada para a execução. Para os especialistas, isso é equivalente à tortura.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 22 de setembro de 2011
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