A única forma de alcançar sucesso em política pública de segurança é elaborá-la de modo integral, incluindo medidas de prevenção. O Brasil, além de aplicar menos recursos no setor em relação a outros países do globo, não gasta de maneira eficiente. O uso das Forças Armadas em situações internas, originalmente de responsabilidade policial, não é exclusividade brasileira. No entanto, não está isenta de riscos e problemas.
Essa foi a linha de pensamento que perpassou as falas dos especialistas que trataram do assunto no 8º Seminário Internacional de Direito Administrativo e Administração Pública – Segurança Pública em debate, organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pela Fundação Getulio Vargas Projetos na quinta e sexta-feiras (24 e 25/5). O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, estiveram presentes na abertura do evento e falaram sobre a realidade do sistema.
Diretor-geral do Departamento de Inteligência do Paraná, delegado de Polícia Civil e pesquisador de Ciências Criminais da Universidade de Lisboa, Rafael Vianna afirma que melhorar a segurança pública é trabalho permanente e envolve três etapas. Dentre as sugestões dadas, superar a ideia de que drogas geram criminalidade e que os problemas nacionais possam ser solucionados em guerra às drogas é, segundo ele, imperativo. "A relação é processual, e não causal", disse.
"É preciso pensar nas situações antes do crime, no momento e depois. Por que ele existe? O que gera? Por que alguém se torna violento, criminoso? Estudos tentam compreender o que leva ao crime. A segunda trata da prevenção situacional da violência e da criminalidade. Por fim, a terceira grande área da segurança pública trata do depois: melhor modelo de polícia de investigação, sistema de persecução penal, como o criminoso deve ser tratado numa sociedade que se pretende humanista, saudável", explicou.
Vianna acrescentou ainda que discursos e propostas que focam apenas um aspecto serão sempre incompletos e traçarão políticas públicas falhas.
Representando o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o especialista em Segurança Cidadã, Divisão de Inovação em Serviços ao Cidadão Rodrigo Serrano ressaltou uma perspectiva comparativa do Brasil com outros países da região como da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A organização tem, de acordo com ele, trabalhado para melhorar o gasto público na área de segurança e Justiça penal.
Serrano afirma que este é um dos maiores desafios da região. A América Latina é responsável por 30% dos homicídios do planeta, enquanto 40% dos assassinatos da região são cometidos no Brasil. "O Brasil gasta menos da metade do valor per capita dos países da OCDE", aponta. O argumento do banco é que talvez seja preciso aumentar o orçamento, mas, antes, é preciso aprender a gastar melhor.
"Só o aumento não tem impacto real na melhora, se não se muda a qualidade, a alocação do recurso. Mas, se se consegue melhorar a qualidade, as decisões sobre o que gastar, provavelmente ainda seja desejável também aumentar o orçamento", disse Serrano. Um dos pontos focados é a necessidade de colocar energia em prevenção e, para isso, um dos meios é tomar decisões sobre políticas públicas com base em evidências científicas.
"Outra questão importante é a do encarceramento. Muitas pessoas que não precisariam estar presas estão, mas poderiam ter penas alternativas. O Brasil é muito favorável à punição, mais que à prevenção. É preciso um discurso público mais inteligente", ressaltou o representante do BID.
Carlos Blanco de Morais, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, presidente do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas e coordenador Científico do Centro de Investigação de Direito Público, deu um panorama histórico e mundial, especialmente do Ocidente, a respeito do uso das Forças Armadas em questões de segurança interna, no mesmo dia em que o presidente Michel Temer anunciou a aplicação da Garantia da Lei e da Ordem para controlar a greve dos caminhoneiros que causa uma crise de abastecimento no país e reivindica queda dos impostos dos combustíveis.
Ele delimita a intervenção das Forças Armadas em casos que não incluem calamidade pública, busca e salvamento, estado de sítio. Aponta também que o EUA têm um histórico de uso desse instrumento, especialmente depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, mas países com monarquias têm relação mais próxima com as Forças Armadas, pela coroa ser historicamente próxima dessa organização, como no Reino Unido, Canadá, Bélgica, Holanda.
"Se, por um lado, pode provocar maior sensação de segurança à população, com uso de meios de reação mais intensos e eficazes que são comumente usados, também há riscos. A não preparação das unidades militares para lidarem com perturbação de ordem pública, motins, por exemplo. Soldados são treinados para reduzir o inimigo", disse.
Além disso, o uso das Forças Armadas em situações internas prolongadas prejudica o emprego da função natural delas, como a proteção das fronteiras e do Estado, e pode causar atrito entre elas e as forças policiais.
Ana Pompeu é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 27 de maio de 2018.
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