O limite entre a brincadeira e o bullying é tênue, mas possível de ser detectado: basta observar e questionar se todos os atores estão realmente se divertindo com a situação, ou se há alguém ofendido, acuado, vitimizado. A orientação foi dada pelos participantes da audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito dos Maus Tratos desta quinta-feira (17).
A dificuldade para descobrir a existência do processo e a crença generalizada da maioria da população de que “não se pode mais nem brincar que tudo vira bullying” foram mencionadas pelo relator da CPI, senador José Medeiros (Pode-MT), mas rechaçadas pelos oradores.
— A partir do momento em que a pessoa está ali, sem vontade, sem partilhar da brincadeira, e isso está sistematizado, com o intuito de diminuir, violentar, de agredir, e a pessoa passa a ter de fato um processo de vitimização, aí a gente já está falando de bullying e não de brincadeira — explicou o psiquiatra André Salles.
Na opinião de Aloma Felizardo, professora de Psicologia Social, a violência que percebemos nos processos de bullying não chega a 10% do que realmente acontece, é apenas a ponta de um iceberg. A violência psicológica não é considerada e acaba levando à automutilação e às tentativas de suicídio. Segundo ela, para auxiliar a mudar essa realidade, a informação precisa circular, o tema deve ser tratado nas escolas, nas igrejas, pelas famílias, com a oferta de cursos de capacitação e formação sobre o assunto, suas causas, como detectar o problema e também sobre resolução de conflitos. Ela elogiou e pediu a ampliação da distribuição de cartilhas sobre bullying e ciberbullying.
Aloma também cobrou que as Leis 13.185, de 2015, reconhecendo o bullying, e 13.663, de 2018, que obriga escolas a adotarem medidas de prevenção e combate a todos os tipos de violência, saiam do papel e realmente entrem em vigor.
Atenção
O professor e pesquisador Hugo Ferreira deu ainda outra sugestão para ajudar na identificação do problema: a mudança de postura dos adultos, passando a ouvir crianças e adolescentes. Ele explicou que as vítimas são envolvidas numa grande rede, num processo cruel, com agressores que atraem o apoio ou a conivência dos demais colegas, e a vítima tem medo de falar de seu sofrimento. Quando pais e professores adotam uma postura atenta e receptiva, as vítimas de bullying costumam se abrir porque se sentem seguras.
— As crianças percebem o mundo, são atentas, críticas e inteligentes. É só ouvi-las, aí a gente consegue detectar. De modo geral, a gente não tem ouvido, esse é um dos maiores problemas. Vamos ouvi-las, vamos sair dessa nossa condição de sabe tudo. Adulto vive num processo esquisitíssimo que precisa revisar. Seria bom se houvesse um senado de crianças, legislando, o mundo ia ser outro e não estaríamos discutindo aqui uma violência desse porte.
Preconceito
Os números apresentados pelo representante do Ministério da Educação, Francisco Marques, ilustraram a gravidade do bullying, do preconceito e da discriminação, fenômenos que não são iguais, mas estão intimamente ligados, avaliou. Ele disse que 17,5% dos estudantes brasileiros sofrem bullying, muitas vezes motivados pela “diferença”.
Marques citou dados de uma pesquisa feita em 2015 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), quando 15 mil estudantes do ensino médio e da Educação de Jovens e Adultos foram questionados sobre expressões preconceituosas. Concordaram com a sentença “brancos são mais evoluídos que negros” 25% dos alunos. Outros 20% concordaram que os indígenas são inferiores, 20%, que os estudantes da periferia só vão à escola por interesse na merenda, e mais de 25% acreditam que os homossexuais deveriam estudar em uma sala separada.
— O bullying mexe com questões psiquiátricas, psíquicas. Por isso ele é tão perigoso. É um tipo de violência que, ou abrimos os olhos para ela, ou ela nos transforma em bárbaros, em pessoas que não têm a capacidade de acolhimento — disse Hugo Ferreira.
Maus-tratos
Também falou à CPI dos Maus Tratos Alexandre Christian Mathieu Salaun, que responde na Justiça por abandono de incapaz. O francês vive em Paraty (RJ) e obteve a guarda da filha há cerca de um mês.
Ele negou ter maltratado a criança de sete anos, classificou a convivência da mãe com a filha como “tóxica”, alegou que a ex-mulher praticava alienação parental contra ele, dificultando o acesso à filha antes de obter a guarda. Salaun frisou ainda que o Ministério Público está de posse de laudos que comprovam o desequilíbrio da mãe e, por isso, garantiram a ele a guarda .
O presidente da CPI, senador Magno Malta (PP-ES), pretende ouvir a psicóloga que elaborou esses laudos, quer acompanhar as ações do Conselho Tutelar de Paraty a respeito do caso e pretende ouvir as funcionárias de Alexandre que lidam com a criança.
Fonte: Agência Senado. 17.05.2018.
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