terça-feira, 29 de maio de 2018

Criação de sistema único da Segurança Pública deixa dúvidas sobre execução

Para especialistas, ideia só funcionará com fiscalização e melhor relacionamento entre polícias


Com o objetivo de unificar as polícias e os sistemas de segurança do país, o projeto que cria o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) é considerado um avanço por especialistas, mas deve apresentar dificuldades de execução.
Congresso Nacional aprovou em abril a proposta que tem como objetivo criar sistemas de compartilhamento de informação entre as forças policiais e entre os estados, e a criação de um banco de dados nacional sobre o crime, nos mesmos moldes do Datasus (do Sistema Único de Saúde). 
A coordenação fica a cargo do Ministério da Segurança Pública, criado por Michel Temer neste ano e hoje comandado por Raul Jungmann. 

De acordo com especialistas ouvidos pela Folha, a integração dos sistemas é um avanço para as políticas de segurança no país. Eles apontam, porém, que há incerteza sobre a eficácia do texto aprovado no Congresso e sobre a sua implementação. 
"Eu sou muito a favor de termos um sistema único porque nós precisamos de coordenação entre os estados, nenhum vai conseguir resolver sozinho", afirma a professora da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Alba Zaluar. A antropóloga diz, porém, que em segurança pública "não tem milagre" e que é preciso assegurar que haja continuidade e fiscalização para que o sistema funcione. 
Já o coronel Ibis Pereira, ex-comandante interino da Polícia Militar do Rio de Janeiro, afirma que, se o projeto é positivo porque "dá a oportunidade de se criar um sistema", a qualidade da proposta criada fica aquém da desejada. Ele diz que seria preciso um debate mais amplo com a sociedade e as entidades policiais para que o modelo funcione de maneira eficaz.
"Eu não tenho dúvida de que se conseguirmos criar esse sistema, vai melhorar", afirmou. "Mas parece que perdemos a oportunidade de fazer um texto mais avançado, com diálogo com a sociedade."
Ele criticou o fato de o texto ter sido aprovado em um ano eleitoral e disse que é preciso ouvir as entidades policiais para superar as dificuldades de relacionamento entre as diferentes polícias e órgãos da segurança. "O que a gente espera de um sistema é que ele tenha mecanismos para que as medidas não estejam subordinadas à vontade dos gestores", afirmou.
O texto espera sanção do presidente Michel Temer. Pelo projeto, serão criados conselhos de segurança nas três esferas de poder (municipal, estadual e federal) que englobarão as polícias, os bombeiros, os guardas municipais e os agentes de trânsito. De acordo com o relator do projeto na Câmara, o deputado Alberto Fraga (DEM-DF), eles funcionarão como "braço estendido" da Segurança Pública, de caráter consultivo, e serão formados também por membros do Ministério Público e do Judiciário. 
De acordo com a proposta, também será parte das atribuições da pasta cuidar do Sinesp, sistema que reunisse dados de crimes de todo o país, e do Plano Nacional de Segurança Pública (com validade de dez anos). Os órgãos estaduais serão responsáveis pelo envio de dados de ocorrências policiais, tráfico de drogas, perfis genéticos e digitais, rastreamento de armas e execução penal, entre outros.
Os órgãos estaduais que não fornecerem as informações de ocorrências policiais serão punidos, tendo dificultado o acesso a recursos federais. 
O texto tramita no Congresso desde 2012, quando foi apresentado pelo Executivo durante o governo da então presidente Dilma Rousseff (PT). 
O projeto circulou por anos em comissões da Casa, sem particular urgência, e chegou a ficar quase um ano parado após passar pela Comissão de Finanças e Tributação. 
Ressuscitou apenas no início de 2018, após ter sido decretada a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro
A criação de uma proposta que integrasse os 27 estados foi discutida pelos presidentes das duas Casas Legislativas, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira (MDB-CE), com a presença dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, em reunião em fevereiro. 
O encontro não contou com integrantes do Executivo. Ele aconteceu no mesmo dia em que o governo do presidente Michel Temer criava a pasta da Segurança Pública.
O ressurgimento do Sistema Único de Segurança Pública se deu em meio a uma disputa política pelo protagonismo da pauta da segurança —eixo principal da pré-campanha presidencial de Maia, que havia ficado irritado com o decreto de intervenção.
Outro ponto polêmico é a própria coordenação do projeto pelo Ministério da Segurança Pública. 
Isso porque a pasta foi criada em caráter excepcional, e a medida provisória que a instituiu sequer foi votada pelo Congresso. 
O deputado Alberto Fraga (DEM), relator do texto, afirma que a bancada trabalhará para tornar permanente o ministério, que, segundo ele, é "mais importante do que muitos outros". Ele também afirma que o financiamento para a implementação dos conselhos e a criação do sistema de dados sairá do orçamento ministerial.
A escolha de Fraga como relator é uma das polêmicas do projeto e recebeu críticas da oposição. Para o líder do PSOL, Ivan Valente (SP), a decisão de nomear o presidente da "bancada da bala" mostra "que tipo de projeto é". 
Segundo ele, a proposta aprovada às pressas é "inócua" e ignora medidas de Justiça restaurativa.
A cassação de Fraga foi pedida pelo PSOL, após o deputado atacar, com informações falsas, a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em março no Rio.

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