A Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a Polônia a indenizar uma menina que foi estuprada, engravidou e teve de correr de médico em médico para poder abortar. A lei do país autoriza o aborto em caso de estupro, mas, como a maioria da população é católica, a pressão pública para impedir a interrupção da gravidez é grande. A menina deve receber 30 mil euros (quase R$ 80 mil) de indenização por danos morais e sua mãe, também prejudicada pelas autoridades públicas polonesas, 15 mil euros (quase R$ 40 mil).
Não é a primeira vez que a Polônia é condenada por criar barreiras para o aborto legal. Em maio do ano passado, a corte mandou que o país pagasse 45 mil euros (cerca de R$ 120 mil) para uma mulher que teve uma filha com Síndrome de Turner. No país, a gravidez também pode ser interrompida quando é diagnosticada má-formação fetal. Quando foi feito o diagnóstico, a gestante percorreu hospitais públicos para pode abortar, mas foi impedida.
A Corte Europeia de Direitos Humanos já decidiu que o aborto não é um direito fundamental das mulheres. Pode, por isso, ser proibido pelos países europeus. Mas, uma vez que o país tome sua decisão sobre o assunto e edite uma lei, esta deve ser aplicada sempre. E não é isso que a Polônia tem feito.
No caso julgado nesta terça-feira (30/10), a corte europeia reconheceu que hospital público e médicos na Polônia pressionaram a adolescente grávida e sua mãe para desistirem do aborto. Munidas do documento policial que comprovava o estupro, filha e mãe procuraram um hospital para interromper a gravidez. Lá, contra a vontade da menina, o médico chamou um padre, que tentou convencê-la a continuar com a gestação. Não funcionou.
Diante da insistência da adolescente, o médico que cuidava dela respondeu que não faria o aborto porque era contra suas crenças religiosas. Em seguida, o hospital divulgou um comunicado para a imprensa contando a história da menor e explicando por que não faria o aborto. O caso foi parar nos jornais e a menina passou a receber ligações de estranhos protestando contra a interrupção da gravidez. O padre, com quem tinha sido obrigada a conversar, também continuava ligando para ela insistindo para que tivesse o bebê.
Numa última tentativa de impedir o aborto, um tribunal de família da Polônia foi acionado e decidiu separar mãe e filha. O fundamento foi o de que a mulher estava pressionando a menina a abortar. A adolescente foi encaminhada para um abrigo de menores. Só com a interferência do ministro da Saúde é que mãe e filha conseguiram chegar até um hospital em uma cidade distante da que moravam e, finalmente, a gravidez da menina foi interrompida.
Para a Corte Europeia de Direitos Humanos, direitos tanto da mãe como da filha foram violados em mais de um ponto. Se o aborto é autorizado por lei, o país deveria garantir que ele fosse feito sem nenhuma dificuldade. Os juízes consideraram o argumento da Polônia de que nenhum médico no país é obrigado a fazer algum procedimento que viole suas crenças religiosas. No entanto, explicaram que esse direito não pode privar pacientes de tratamentos médicos garantidos por lei. Caberia ao médico ou ao hospital encaminhar a menina para outro local onde ela pudesse fazer seu aborto.
Os juízes consideraram que a divulgação do caso pelo hospital violou o direito à privacidade da menina, que teve seu drama exposto nos jornais. Eles afastaram qualquer interesse público na história e afirmaram que o fato de o aborto ser um assunto polêmico na Polônia não justifica que os médicos descumpram a obrigação de sigilo para com seus pacientes. A corte também considerou abusiva a decisão judicial que ordenou que a menina fosse separada da mãe e ficasse em um abrigo para menores.
Clique aqui para ler a decisão em inglês.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 31 de outubro de 2012
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