segunda-feira, 13 de junho de 2011

Lei de prisão cautelar pode mudar feição do Judiciário


Começam a pulular acerbas críticas à nova sistemática de prisão cautelar (flagrante e preventiva). A partir do próximo 4 de julho,com a vigência da Lei 12.403, o processo criminal poderá mudar a cara do Judiciário. Avaliações preliminares indicam que cerca de cem mil presos serão imediatamente colocados em liberdade. Para alguns, a Lei inviabilizará a decretação da prisão preventiva, permitindo que autores de delitos graves permaneçam soltos durante o processo. Além disso — o que já não é pouco — praguejam contra as inovadoras medidas cautelares, que despontam como alternativas ao cárcere antes da condenação definitiva. O Estado, argumentam esses críticos, não terá condições de fiscalizá-las. Enfim, proclama-se a coroação da impunidade no Brasil.
Os dotes da nova Lei, porém, não podem ficar obnubilados pelo pessimismo incauto. As mudanças são boas e vêm de encontro ao degradante e crescente “populismo judicial”, que fez da fama ou fortuna do acusado requisito de prisão cautelar. É alvissareira a lei. Obrigará o juiz a estudar autos de flagrante e decidir, desde logo (artigo 310), pelo relaxamento da prisão, quando ilegal; pela conversão do flagrante em prisão preventiva, na hipótese de ineficácia — inadequação ou insuficiência — da medida cautelar; ou, pela concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança.
O conteúdo misto das normas estabelecidas pela lei acarretará a aplicação imediata dos dispositivos de natureza processual, sem prejuízo dos atos anteriores, ao mesmo tempo em que retroagirá quanto aos normativos penais benéficos. Portanto, com a vigência das novas regras, juízes e tribunais deverão imediatamente chamar à conclusão todos os feitos (inquéritos e processos) envolvendo prisão provisória para a indeclinável confrontação com o nascituro modelo.
Perceba-se a sutileza da mudança: os presos que deixarão imediatamente o cárcere, ao contrário do que pregam os antagonistas da lei, serão justamente aqueles que nele não deveriam estar. Para os casos realmente necessários, caberá ao juiz fundamentar, concretamente, os motivos que recomendam a prisão do agente antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Por outro lado, a nova sistemática confere ao Estado maior controle sobre o indiciado ou réu. Se entre a liberdade e a prisão nada mais havia, doravante o juiz terá à sua disposição um elenco de nada menos que nove medidas cautelares (artigo 319) de alto impacto pessoal e social. Perceba-se: as medidas cautelares funcionarão como uma espécie de “período de prova preventivo” durante o processo. O descumprimento de obrigações impostas renderá ensejo para o decreto prisional.
A sociedade poderá ficar mais tranquila sabendo que um possível culpado, solto, estará sendo monitorado durante o processo, ao mesmo tempo em que um presumido inocente não será levado à prisão injustificadamente. Esse é o paradigma constitucional. Desde 1988, nossa Carta Política impõe ao Estado que ninguém seja levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade (inciso 66 do artigo 5º), presumindo-se inocente o agente enquanto não passar em julgado a sentença condenatória (inciso 57 do artigo 5º). A prisão é a ultima ratio.
Enfatize-se, por conseguinte, que a lei não acaba com a prisão preventiva como apregoam os mais afoitos. Será ela de três tipos: inicial, derivada e substitutiva. Inicial quando decretada durante a investigação ou processo; derivada se resultar da conversão do flagrante; e, substitutiva, em lugar de medidas cautelares descumpridas pelo agente.
Os pressupostos, como antecedente indispensável à aplicação da medida extrema, passam a ser de três ordens cumulativas: prova da existência do crime, indícios sérios de autoria (artigo 312, in fine) e ineficácia — inadequação ou insuficiência — das medidas cautelares (artigo 282, parágrafos 4º e 6º, c.c. artigo 312, parágrafo único). Os requisitos da preventiva, como exigência de validade do ato, continuam os mesmos (artigo 312, 1ª parte) e são alternativos: garantir a ordem pública ou econômica, assegurar a aplicação da lei penal, ou necessidade da instrução criminal.
Presentes as citadas hipóteses, alguma das seguintes condições haverá de estar presente (artigo 313), alternativamente: prática de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; ou prática de crime doloso punido com pena privativa de liberdade, possuindo o agente condenação definitiva anterior por crime doloso; ou para garantir a execução de medida protetiva aplicada em crimes envolvendo violência doméstica e/ou familiar; ou, por último, em face de dúvida séria e fundada sobre a identidade civil do autor do crime, que se recusa a solvê-la.
Em situações excepcionais, a prisão preventiva poderá ser substituída pela prisão domiciliar (ex. idoso ou gestação de risco). A liberdade, com ou sem fiança é a regra. O instituto da fiança ganha status de medida cautelar e prestigia sobremaneira a vítima, que nela poderá buscar a reparação dos danos sofridos (artigo 336). O valor da fiança é expressivo e alcançará, em algumas situações, a considerável cifra de cento e seis milhões de reais (artigo 325). A prudência, circunstâncias do fato e condições do agente nortearão sua fixação.
A Lei 12.403/2011 constitui, sem dúvida alguma, um avanço e importante instrumento de Justiça. Caberá ao Poder Judiciário traçar estratégias e aplicá-la com vontade e criatividade, para dela extrair o máximo de efetividade. Não se deve aguardar por ações de outros órgãos ou instituições. A nova lei, enfim, poderá mudar a cara e a imagem da Justiça Criminal, que ainda deve à sociedade presença mais marcante com o fito de desestimular a crescente criminalidade e acabar com o sentimento de impunidade que grassa no país.

Ali Mazloum é juiz federal em São Paulo, especialista em Direito Penal e professor de Direito Constitucional.
 
Revista Consultor Jurídico, 13 de junho de 2011.

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