segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Superlotação das prisões: o dilema californiano

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Uma lei aprovada no estado da Califórnia está mudando as regras para o tratamento de presos em liberdade condicional. A lei tem o objetivo de ajudar na ressocialização dos egressos do sistema carcerário. A mudança foi bem-recebida pelos especialistas, que apontam falhas na atual cultura punitiva do sistema correcional norte-americano nos últimos 40 anos.
“Além de ter um sistema carcerário superlotado, a taxa de reincidência na Califórnia é altíssima – acima de 70% -, enquanto em outros estados essa taxa é bem mais baixa. Em Iowa, por exemplo, o índice de reincidência é de 30%”, afirma Alex Busansky, diretor do Conselho Nacional para Crime e Deliquência de Oakland, na Califórnia, uma organização que se defende a reforma penal.
Os Estados Unidos são líderes mundiais em população carcerária: com menos de 5% da população mundial, o país tem um quarto dos detentos do mundo atrás das grades em solo nacional. Esse contingente de presos é resultado de um processo que levou, desde a década de 1980, a um aumento de 480% da população carcerária.
Em lugar nenhum do mundo isso é tão grave como no estado da Califórnia, que abriga o maior contingente de pessoas encarceradas do país. Apesar de ter 33 prisões - 22 delas construídas nos últimos 30 anos –, a capacidade do sistema penitenciário da Califórnia está com os limites extrapolados em 130%, dizem os especialistas.
De acordo com um relatório da NCCD Força-Tarefa sobre superlotação nas prisões,, “salas de estar, ginásios, jardins e salas de TV foram convertidos em dormitórios improvisados para abrigar tantos presos quanto essas instalações forem capazes de abrigar.”
Mas isso está prestes a mudar com a aprovação da Lei 3X18, de autoria da senadora democrata Denise Ducheny, de São Diego, que pretende combater os mecanismos que contribuem para as prisões funcionarem como portas giratórias e manter a excessiva população carcerária.
A nova lei estabelece a decretação de liberdade condicional imediata e irrevogável para condenados de baixo risco, e impede que violadores da condicional sejam automaticamente mandados de volta para a prisão. A lei estabelece e expande o direito de egressos dependentes de drogas e com doenças mentais a serem reencaminhados a tratamento ao invés de prisão. A nova lei cria um “instrumento de tomada de decisão sobre violação de condicional” que permite avaliar o potencial de um egresso que esteja cumprindo prisão condicional de cometer outro crime.
O tempo passado na prisão também está na mira da nova lei já que ela permite que o período de detenção pré-julgamento seja deduzido do tempo total da pena. Será dada a violadores da condicional também a opção de substituir o cumprimento de pena de reclusão por equipamentos eletrônicos de rastreamento.
A lei vem a calhar numa época em que os governos estão sob pressão para cortar custos, o estado da Califórnia está passando por uma crise financeira séria e recebeu ordem judicial de  reduzir a população carcerária das atuais 165 mil para 56 mil pessoas. As nova medidas vão contribuir para essa redução permitindo a libertação de seis mil indivíduos no primeiro ano.
Marc_Mauer.jpgMas até que ponto isso é significativo? Para Marc Mauer (foto), diretor do Projeto Sentença, uma organização nacional que promove a idéia de uma reforma do sistema de justiça criminal, as novas medidas são potencialmente significativas.
“Isso vai depender de quão longe eles irão com o plano. A Justiça ordenou a redução do contingente em 40 mil pessoas, o estado fala em 17 mil. De qualquer forma, comparado com o que vem acontecendo nos últimos 30 anos, é uma mudança bastante significativa no direcionamento da política carcerária”, afirma Mauer.
Ele explica que a Califórnia é muito rígida quando se trata de sentenças punitivas e política de condicional e destaca a “regra dos três golpes” que aumenta a possibilidade de a pessoa que comete um delito pela terceira vez seja mandada para a prisão perpétua. Mauer explica que a prática de prender novamente as pessoas que violam a condicional reflete uma tendência geral do país nos últimos 30 anos. “A escala do problema na Califórnia é muito maior do que em outros estados”, afirma.
Mauer afirma que o passo à frente que o estado deu na direção da reforma, não é só resultado de pressões locais, mas é parte de um padrão geral. “Muitos estados estão tentando reduzir a população carcerária por dois motivos: diminuir custos porque as prisões são caras, e por um entendimento de que de ajudar na ressocialização de ex-prisioneiros traz melhores resultados para a segurança pública. Kansas, Michigan, Nova York e Nova Jersey reduziram entre 5% e 20% o número de pessoas mantidas em prisões nos últimos 20 anos”, conta.
Prisões não tornam a sociedade mais segura
A construção de presídios e a condenação de criminosos com penas de reclusão se deu ao mesmo tempo à queda das taxas de criminalidade em todo o país. Mas, por outro lado, a exposição à prisão está diretamente ligada à reincidência criminal.
“O objetivo de um bom sistema judicial é melhorar a situação de segurança pública. Se prendemos, é porque achamos que isso melhora a segurança pública, mas pesquisas dizem que não”, afirma Alex Busansky (foto abaixo). “Não acredito que as pessoas entendam realmente como as prisões oferecem pouca segurança. O senso comum acha que, se a polícia prende pessoas, isso torna a sociedade mais segura. Mas manter alguém na prisão por 40 anos e arcar com seus custos médicos não produz segurança”, explica.
Estudos demonstram que os detentos custam mais para o Estado à medida que vão envelhecendo. Uma estimativa fornecida por Joane Faryon à KPBS News detectou que o custo individual de um detento triplica quando ele ou ela atinge os 55 anos de idade. “De US$ 50 mil, este gasto salta para US$ 150 mil por ano”. Faryon também percebeu que os detentos estão mais propensos a contrair doenças como hepatite C e Aids do que o resto da população.
alex_busansky_edit.jpg“O Legislativo quer ser duro com o crime e a maneira que encontrou para isso foi aplicar longas penas. Mas, na realidade, ele deveria estar se assegurando de que a segurança pública melhorou”, afirma Busansky.
O professor da Justiça Criminal da Universidade de Chicago, John Hagedorn, tem sido constantemente procurado para ser testemunha em julgamentos de membros de gangues em Chicago. Segundo Hagedorn  “isto é sempre um estímulo”, ou seja, que o fato de pertencer a uma gangue pode ser levado formalmente em consideração para estender o tempo de uma pena. “Não sei se este é o caso na Califórnia, mas os promotores sempre usarão o 'envolvimento com gangues' para argumentar por penas mais longas ou até mesmo a pena de morte", avalia Hagedorn.
“Há um interesse crescente em aplicar mudanças nessa política, como a redução do número de sentenças, o tratamento – em vez da prisão – de pessoas que cometem delitos relacionados a drogas ou como fazer com que os criminosos não-violentos passem menos tempo na prisão. A quantidade de mudanças ainda é relativamente modesta”, disse Marc Mauer.
Mais projetos de lei estão sendo propostos para assegurar que toda a informação disponível chegue ao sistema judiciário e de prisão para gerar mudança. O Justice Reinvestment Act (que propõe financiar pesquisa e implementação de programas para reforma penal) está ganhando apoio massivo, tanto de republicanos quanto de democratas.
“Esta lei é uma peça importante da legislação na tentativa de uma melhor distribuição de recursos. Serão mais fundos destinados a programas locais, para que supervisionem criminosos em comunidades, e que permitirão aos estados reduzir sua população prisional”, disse Marc Mauer. Ela afirma, ainda, que a crise fiscal está criando uma oportunidade importante para a reavaliação do sistema.
“É um ótimo momento para examinar como se abordar o problema do crime. Durante 40 anos nossa abordagem tem sido construir penitenciárias e encarcerar as pessoas”, explica. Mauer aponta também a necessidade de investimento em prevenção e tratamento e aposta no fortalecimento de famílias e comunidades como medida preventiva e alternativa ao encarceramento, para que o número de pessoas presas diminua.
“Na minha opinião, grande parte do problema que enfrentamos hoje nos EUA é político, não é falta de conhecimento, é mais uma questão de líderes políticos que abraçaram discursos políticos, como a nossa política criminal. Isso tem causado muitos danos, precisamos ser mais baseados em informação”, finaliza.

Foto capa: penitenciária de Solano, na Califórnia (retirada do site do Departamento de Correção e Reabilitação da Califórnia)

Foto interior: penitenciária de Corocoran, na Califórnia (retirada do site do Departamento de Correção e Reabilitação da Califórnia)

Foto interior, Busansky:© University of Washington School of Law

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