quarta-feira, 10 de abril de 2019

Mariana e Brumadinho: um novo sentido para o martírio

*Wagner Dias Ferreira

Este ano a Páscoa coincidiu com o dia do Mártir da Inconfidência Mineira. Não são raras as explicações de que a imagem de Tiradentes seja semelhante à de Jesus no caminho do calvário. Um caminhou para a cruz o outro para a forca. Um disse “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito”. O outro: “Se 10 vidas eu tivesse,10 vidas eu daria”. A mineiridade segue mitificando e mistificando os dois momentos. Tê-los no mesmo dia do ano é uma oportunidade para a reflexão.

Jesus foi crucificado porque suas palavras ameaçaram o poder dos Sacerdotes, escribas e fariseus da época, que o próprio Jesus chamou de “raça de víboras”. Tiradentes ameaçou a coroa portuguesa, porque pretendeu que a riqueza do ouro fosse toda aproveitada no solo brasileiro.

A coincidência desses momentos e sua significação conclamam as pessoas a levantarem suas vozes contra as injustiças sociais. Levantar a voz contra  mineradoras que ceifam vidas e prejudicam o meio ambiente. Contra governantes passivos que toleram e até são coniventes com danos ambientais e prejuízos à população sem as devidas reparações.

A Constituição diz que todos são iguais perante a Lei, em consonância com proclamações internacionais que visam afastar práticas que possam redundar na repetição do holocausto nazista. Seja para evitar o sofrimento para determinados grupos sociais ou impedir que outros fechem os olhos se negando a enxergar a realidade como ela se apresenta.

Para que o familiar da vítima dos crimes de Mariana e Brumadinho sejam iguais aos diretores e acionistas da empresa mineradora, a Lei – Estado Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e todos os segmentos sociais devem promover ações diretas na busca de compensar a desigualdade que existe.

No mundo capitalista, um valor monetário provavelmente é declarado como solução para este problema. Mas a compensação por uma vida implica muito mais. É preciso buscar mecanismos para manter vivos ideais e sentimentos das pessoas que morreram.

No filme “O Resgate do Soldado Ryan”, em frente ao túmulo do comandante do pelotão que resgatou Ryan durante a II Guerra Mundial, mostrando ali sua família, e declarando que a vida que levou é o que ele podia oferecer em honra daqueles que deram a vida para que ele vivesse.

Após eventos como aqueles de Mariana e Brumadinho, talvez fosse importante a sociedade começar a pensar em outros mecanismos de compensação, sim mantendo o financeiro, mas buscando meios que demonstrem que algo mais foi feito em honra daquelas almas. De forma que não sejam elas relegadas ao mero esquecimento.

Jesus é considerado ressurrecto na Páscoa. Por isso seguem vivos com ele seus ensinamentos e práticas. Tiradentes é considerado o Mártir da Inconfidência, por isso, segue como uma bússola, levantando os “mineiros” contra toda prática opressora e exploratória. Mariana e Brumadinho devem ser novos Mártires demarcando novo tempo, novas regulações e novas práticas.

*Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG.

O TEXTO É DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO AUTOR, NÃO REPRESENTANDO, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO OU POSICIONAMENTO DO INFODIREITO. 

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