Ao estabelecer regras de cunho geral e abstrato, que reduzem penas mediante decretos de indulto editados periodicamente, o presidente da República desrespeita a proibição constitucional de legislar sobre Direito Penal. Com esse entendimento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região declarou inconstitucional o indulto presidencial de 2013 (Decreto 8.172/13). A decisão foi tomada na última sessão de 2018 (19/12) pela Corte Especial e é válida em toda a 4ª Região da Justiça Federal.
Para o relator, desembargador Leandro Paulsen, ao conceder indulto coletivo, o presidente da República viola o artigo 62, parágrafo 1º, b, da Constituição Federal. O dispositivo proíbe a edição de medida provisória sobre Direito Penal e Direito Processual Penal, mas não diz que o presidente não pode decretar indultos.
Já o artigo 84, inciso XII, estabelece claramente como uma das atribuições do presidente da República "conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei". O nome da seção em que o artigo 84, aliás, é "Das Atribuições do Presidente da República".
Para Paulsen, no entanto, a concessão de indultos é inconstitucional por ter se banalizado. “A ordinarização do instituto é demonstrada pela própria alcunha a ele atribuída pela doutrina de direito penal: ‘indulto de natal’, porquanto benesse sistematicamente concedida na época das comemorações da data cristã. Identifica-se de forma clara que o figurino constitucional do indulto, instrumento excepcional para correção de pontuais e eventuais falhas no sistema de persecução criminal do Estado Democrático de Direito, vem sendo banalizado e utilizado como verdadeiro método de administração da população carcerária”, disse, em seu voto.
O artigo 1º, inciso XIV, do Decreto 8.172/2013, determina que “concede-se o indulto coletivo às pessoas, nacionais e estrangeiras, condenadas à pena privativa de liberdade sob o regime aberto ou substituída por pena restritiva de direitos ou ainda beneficiadas com a suspensão condicional da pena, que tenham cumprido, em prisão provisória, até 25 de dezembro de 2013, um sexto da pena, se não reincidentes, ou um quinto, se reincidentes”.
Vontade do juiz
O incidente de arguição de inconstitucionalidade foi proposto pelo próprio Paulsen em agravo de execução penal interposto pelo Ministério Público Federal na 8ª Turma. O MPF questiona no recurso a concessão de indulto natalino a um condenado por tráfico de drogas.
Conforme Paulsen, que também foi relator da arguição na Corte Especial, as atuações de um poder (Executivo) sobre a atividade dos demais (Legislativo e Judiciário) somente estariam constitucionalmente autorizadas em hipóteses excepcionais e justificadas.
“O perdão irrestrito de delinquentes por mera vontade política de um único governante (chefe do Poder Executivo) viola a Constituição Federal por fazer letra morta inúmeras garantias da sociedade”, afirmou o magistrado, acrescentando que o indulto vem sendo “ampliado sem qualquer justificação a cada ano”.
O desembargador também argumentou que o indulto coletivo viola princípios constitucionais e gera impunidade.
“O artigo 1º, inciso XIV, do Decreto 8.172/13, que concede indulto a quem tenha cumprido, em prisão provisória, apenas um sexto da pena a que submetido por condenação lastreada no tipo e nos critérios legais de dosimetria aplicáveis ao caso, atenta contra os Poderes Legislativo e Judiciário, contra o princípio da individualização da pena, contra a vedação constitucional de que Executivo legisle sobre Direito Penal e contra o princípio da vedação da proteção insuficiente, na medida em que gera impunidade”, destacou Leandro Paulsen.
Sem indulto
O ex-presidente Michel Temer (MDB) desistiu de editar o indulto em 2018, depois que o Supremo Tribunal Federal suspendeu o decreto do ano anterior (Decreto 9.246/2017).
A suspensão foi decidida duas vezes. A primeira, pela ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF, durante um plantão. Depois, a decisão foi confirmada pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator.
O Plenário do Supremo chegou a discutir a suspensão do indulto em novembro de 2018 e seis votos foram proferidos contra a possibilidade de o Judiciário suspender o decreto. Mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Fux.
Até a interrupção, os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram a favor da validade do decreto de indulto natalino. Votaram contra o indulto os ministros Luís Roberto Barroso, relator do julgamento, e Luiz Edson Fachin. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4.
Processo 5034205-88.2018.4.04.0000
Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2019.
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