sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A prostituição da Constituição Federal no processo penal


Na minha época de estudante, quando sentava para ler as doutrinas de Direito Penal/Processo Penal, tinha uma visão de que, apesar da defasagem do nosso codex processual atual, o “jogo” processual seguiria as regras e garantias constitucionais. Besteira. Na prática, a situação é bem diferente.
Paridade de armas, lia nas doutrinas, pobre estudante... A começar pela estigmatização social do réu eleito socialmente para ser condenado ou, ainda, o fato do representante ministerial sentar-se ao lado do magistrado, o que, na minha visão, já afronta o próprio supramencionado princípio. Os exemplos são inúmeros.
Com efeito, vemos que, atualmente, punir virou regra. Não seria estranho pensar que em pouco tempo teremos a inversão do princípio da presunção de inocência e/ou de outros princípios basilares insculpidos na magna carta. Loucura? Louco é que duvida.
Em 2015, o próprio MPF propôs mudanças para que a prova ilícita fosse aceita em feitos criminais. Absurdo. Desconsideração total das regras do jogo institucionalizadas pelo Estado Democrático.
O que parece, atualmente, é que a defesa, ao socorrer-se das garantias constitucionais, está “defendendo a criminalidade” ou, ainda, “cometendo um delito”, pasmem. Sem falar distorcida visão da sociedade com a figura do advogado criminalista e a clara confusão da figura do advogado com o delito perpetrado, em tese, pelo cliente.
Exemplo de que vivemos tempos atentatórios aos princípios constitucionais foi a própria decisão emanada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em uma malfadada tarde de quarta-feira, no julgamento de um Habeas Corpus — sim, aquele recurso eminentemente defensivo — relativizando o princípio da presunção de inocência, por estarem ofuscados pelos holofotes midiáticos nunca antes vistos em relação àquele tribunal.
Aí entramos em outro ponto determinante para a atual prostituição da Constituição Federal no processo penal que é a chamada “espetacularização midiática do processo penal”, onde, quando ela existe, não há rito ou garantias legais, o advogado sempre sabe, caiu na mídia, a prisão/condenação virá.
Em casos midiáticos os mandamentos constitucionais são esquecidos e o que importa é “dar uma resposta” imediata a sociedade. Exemplo disso aconteceu em Florianópolis (SC) no dia 19 de janeiro, onde a polícia militar prendeu um homem que possuía em casa um fuzil AR-15. O homem, por ter residência fixa, ser réu primário e ostentar bons antecedentes e, sobretudo, que pelo delito em tese cometido, se condenado fosse, resgataria a reprimenda em regime semiaberto ou aberto, foi colocado em liberdade provisória na audiência de custódia. O Ministério Público estadual, por meio de uma “medida cautelar criminal”, baseada no novo CPC — sim, você não leu errado, é Código de Processo CIVIL —, pediu a suspensão dos efeitos da decisão fundamentando o pedido no poder geral de cautela (?). Mas, pera aí, poder geral de cautela no processo penal? Não é surpresa que a desembargadora plantonista decidiu imediatamente pela prisão preventiva do aludido acusado.
Entendo e espero que a criminalidade seja combatida e costumo dizer que nunca irei permitir que alguém diga que quer mais o combate a criminalidade que eu. No entanto, eu luto para que esse combate seja seguindo as “regras do jogo”, os ritos processuais, para que não seja “aceitável” que os fins justifiquem os meios, porque, se for assim, colocamos em risco o Estado Democrático.
Costumo dizer que o ser humano, pela maldade intrínseca, quando o seu semelhante está sendo acusado em um processo criminal — sobretudo quando o acusado tem poder, status, dinheiro ou qualquer outra coisa que gere inveja no aludido ser humano —, age com hipocrisia, não querendo saber se as garantias constitucionais e os ritos processuais estão sendo seguidos, quer a condenação a qualquer custo. No entanto, a vida é cheia de revés e, em um malfadado dia, o tal ser humano ou alguém por ele querido sofre uma acusação ou vilipendiação de direitos, aí este mesmo ser, com toda a hipocrisia que lhe assiste, intenta recorrer ao devido processo legal e às garantias legais que tanto reclamou e foi contrário. Esse é o retrato do Brasil atualmente.
A verdade, por mais dura que seja, é que hoje, no processo penal, recorrer às garantias fundamentais é “feio”, é “presunção de culpabilidade”, é algo tido como “criminoso”, em claríssima e vergonhosa inversão de valores. Onde isso nos levará eu não sei, mas espero que não seja para a ruína dos direitos que tanto lutamos para conquistar.
 é advogado criminalista, sócio do Agacci & Almeida Advocacia.
Revista Consultor Jurídico, 24 de janeiro de 2019.

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