A Primeira Turma retomou julgamento de habeas corpus em que se pretende a desclassificação do delito previsto no art. 217-A (1) do Código Penal (CP) — “estupro de vulnerável” —, para a conduta versada no art. 65 (2) da Lei das Contravenções Penais (LCP) (Informativo 870).
Na origem, o paciente foi condenado a oito anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, em razão da suposta prática de estupro de vulnerável. A ação consistiu em ato libidinoso (beijo lascivo) contra vítima de cinco anos de idade.
O impetrante afirma que a conduta do paciente não se enquadra no tipo penal do art. 217-A do CP, mas na contravenção penal tipificada no art. 65 da LCP. Além disso, sustenta a ausência de dano psicológico à vítima, bem como a desproporcionalidade entre os fatos ocorridos e a sanção aplicada.
Na assentada anterior, o ministro Marco Aurélio, ao deferir a ordem, entendeu correto o enquadramento da conduta do paciente na contravenção penal de molestamento. Já o ministro Alexandre de Moraes denegou o habeas corpus por considerar inadequada a desclassificação da conduta do paciente para a referida contravenção penal.
Em voto-vista, o ministro Roberto Barroso, em linha com a divergência iniciada pelo ministro Alexandre de Moraes, denegou o habeas corpus. No entanto, concedeu a ordem de ofício para que o juízo de origem aplique ao caso o tipo previsto no art. 215-A do CP (3), incluído pela Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018.
O ministro Roberto Barroso ressaltou que os atos praticados pelo paciente não podem ser considerados simples perturbação à tranquilidade da criança ou mera importunação ofensiva ao pudor. Ao contrário, a conduta se revestiu de inequívoca conotação sexual, a configurar comportamento lascivo ou libidinoso em face de vítima de apenas cinco anos de idade.
Em 24 de setembro de 2018 foi editada a Lei 13.718/2018, a qual criou a figura típica prevista no art. 215-A do CP.
Partindo das premissas fixadas pelas instâncias de origem, registrou que o paciente praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia e contra a vontade da vítima. Assim, mostra-se possível a aplicação retroativa da Lei 13.718/2018. A pena prevista nessa nova figura típica mostra-se mais adequada e suficiente à reprovação e à prevenção da ação criminosa em comento.
Afirmou não se tratar, no caso, de fazer incidir retroativamente lei penal incriminadora, o que implica em violação ao princípio da irretroatividade da lei penal. Na realidade, o ato praticado pelo paciente – ato libidinoso diverso da conjunção carnal –, de início passível de enquadramento no art. 217-A do CP, com pena de oito a quinze anos de reclusão, passou a ser incriminado, para condutas menos invasivas, de forma mais branda pelo crime de “importunação sexual”, cuja pena varia de um a cinco anos.
O ministro Marco Aurélio reajustou o voto anteriormente proferido, tão somente para registrar que, caso vencido em sua proposta original, encaminharia seu voto no mesmo sentido do entendimento exposto pelo ministro Roberto Barroso.
O ministro Alexandre de Moraes reafirmou os termos do voto proferido na sessão anterior. Acrescentou, no entanto, que, na espécie, não haveria que se falar em retroatividade de lei benéfica. Isso porque os tipos penais previstos nos arts. 215-A e 217-A do CP são absolutamente diversos, o que se demonstra pelas próprias elementares dos tipos em questão. Ademais, com a criação da figura típica prevista no art. 217-A do CP, não se pretendeu transformar atos claros de pedofilia num tipo penal mais brando.
Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos.
(1) CP: “Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. ”
(2) LCP: “Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. ”
(3) CP: “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. ”
HC 134591/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 18.12.2018. (HC-134591)
Informativo STF. Brasília, 17 a 19 de dezembro de 2018 - Nº 928.
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