O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, anunciou que deve apresentar em fevereiro um projeto de lei anticrime que pretende, entre outras coisas, importar o modelo de plea bargain para o Brasil.
O plea bargain é uma espécie de acordo penal em que o Ministério Público oferece ao réu pena mais branda diante da confissão de crime e, consequentemente, o fim do processo.
A hipótese de trazer este instituto para o Brasil divide a opinião de especialistas. Em artigo publicado na Revista Época intitulado O calcanhar de Moro, o criminalista Pierpaolo Cruz Bottini manifesta ceticismo diante da proposta do acordo.
“Como um cobertor curto, a ideia aparentemente resolve o problema do tempo processual, mas cria outros maiores. Nos Estados Unidos esse sistema hoje é alvo de intensas críticas por levar muitos inocentes a aceitar as penas propostas diante dos custos financeiros e reputacionais de um processo”, defende Bottini.
Para ele, no Brasil, um sistema que permita a renúncia de garantias sem o fortalecimento da defensoria pública, e sem um controle judicial efetivo dos acordos, levará a um encarceramento em massa que apenas agravará a crise do sistema prisional. "É preciso sopesar as consequências de cada passo, sob risco de retrocesso”, afirma.
Bottini diz ainda que, se a ideia é enfrentar a morosidade, há outros meios. Para o criminalista, é notório que os processos penais têm pontos mortos, gargalos que atrasam seu andamento.
“Em geral, isso ocorre quando o juiz aguarda documentos, o compartilhamento de provas, a remessa de dados, a busca por endereços ou a intimação de testemunhas. São entraves burocráticos que podem ser superados com a incorporação de tecnologias simples, que permitam trocas rápidas de informações. Tais instrumentos, largamente usados pelo juiz Sergio Moro na 'lava jato', poderiam ter seu uso incentivado pelo ministro no Executivo, com o intercâmbio de experiências e convênios com o Poder Judiciário. Parte do problema seria resolvido sem os riscos do plea bargain”, analisa.
Consequências graves
O advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, ex-presidente e conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, afirma que a medida não é digna de aplausos e que há uma incoerência entre o discurso de Moro e a realidade brasileira.
“Pela proposta, o ministro excluiu do acordo crimes patrimoniais, como roubo e furto, e até os ligados ao tráfico de drogas. Embora a eficiência da justiça brasileira seja um ideal a ser perseguido, a otimização que se pretende não será alcançada a partir desses acordos”, explica em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo.
Para Botelho, sem a otimização da justiça, haverá suas consequências graves: o abandono de garantias processuais e o aumento da população carcerária. “Os clientes dos tais acordos, mesmo excluídos os crimes patrimoniais, vão continuar sendo os jovens pobres que, sem uma defesa técnica, sucumbirão ao tentador apelo, para não dizer pressão, de confessar e pretensamente resolver seus problemas”, diz.
Além disso, de acordo com Botelho, nulidades não serão mais apreciadas pelo Poder Judiciário, uma vez que não haverá processo. “Ilegalidades cometidas por autoridades deixarão de chegar ao conhecimento do Judiciário porque não haverá mais processo”, salienta.
Medida modernizadora
Já o criminalista Daniel Gerber é favorável à importação do plea bargain.Também em artigo na Folha de S.Paulo, ele diz que sociedade brasileira se cansou da falta de solução.
"O plea bargain é medida modernizadora que atende a esse anseio ao oferecer a gestão do próprio destino, longe do paternalismo de uma Justiça monopolizada pelo processo e de uma falsa proteção de interesse dos envolvidos na lide”, aponta.
No artigo, Gerber avalia que a proposta pode ser uma eficiente e econômica solução para o controle da criminalidade, além da desburocratização, aceleramento e simplificação da Justiça.
“Se vingar, o Judiciário ganha fôlego para se concentrar em casos mais importantes, evitando o aumento da impunidade e empregando melhor seus recursos. Além de tais vantagens, uma justiça pactuada contempla a hipótese de que o acordo entre réu e Estado dará às vítimas reparações rápidas e adequadas”, diz.
Segundo Gerber, o argumento de que o plea bargain provocará um "superencarceramento" não é verdadeiro. “Se o cidadão se sabe culpado, a punição e reparação do dano são uma consequência inevitável de sua escolha consciente ao praticar um crime. Logo, o fato de tal acordo permitir ao Estado que alcance maior efetividade na punição jamais poderia ser visto como negativo”, diz.
Revista Consultor Jurídico, 13 de janeiro de 2019.
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