O estado do Rio de Janeiro regulamentou o trabalho voluntário de presos como forma de remição da pena. A cada três dias de atividade, os detentos excluirão um dia de suas penalidades, de acordo com a Resolução 721/2018da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), publicada na edição desta terça-feira (31/7) do Diário Oficial fluminense. Porém, a norma contraria a Lei de Execução Penal, que estabelece que o trabalho dos encarcerados deve ser remunerado, segundo especialistas ouvidos pela ConJur.
A resolução é baseada em decisão da Vara de Execuções Penais do Rio, que permitiu a prática até 31 de janeiro de 2019. Além disso, fatores que motivaram a edição da norma são a necessidade de se manter as atividades básicas dos presídios, como manutenção, conservação e limpeza e distribuição de refeições, e a crise financeira do estado.
As atividades a serem executadas pelos presos classificados para o trabalho voluntário são serviços de manutenção e reparos das estruturas físicas da unidade, tais como rede elétrica, hidráulica e de alvenaria, bem como pequenas construções, limpeza e conservação, capina, corte de grama, varrição e recolhimento de lixo, distribuição das principais refeições ao efetivo carcerário, nos setores administrativos das unidades, na entrega de documentos, distribuição de senhas, limpeza dos setores administrativos, copas, cozinhas e refeitórios de servidores, escolas, bibliotecas, salas de leitura e ambulatórios médicos.
A jornada de trabalho não será inferior a seis nem superior a oito horas, com descanso nos domingos e feriados. Contudo, presos que trabalharem com distribuição de refeições, conversação e manutenção da penitenciária podem ter horários especiais.
A cada três dias de trabalho voluntário, os presos terão um dia a menos de pena para cumprir. Se o detento também estudar — o que igualmente ajuda a reduzir sua penalidade —, as horas diárias de ensino e ofício serão fixadas de forma a se compatibilizarem.
Sem remuneração
O preso que quiser prestar serviços voluntários em troca de remição de sua pena deverá assinar um termo de declaração no qual afirma concordar em prestar trabalho “SEM REMUNERAÇÃO (em caixa alta e negrito), computado apenas para REMIÇÃO DE PENA (idem)”.
O problema é que o trabalho do preso deve ser remunerado, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo, segundo o artigo 29 da LEP.
A criminalista Maíra Fernandes, ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, afirma que o Estado tem obrigação de oferecer oportunidades de trabalho para presos. Primeiro, para tirá-los da ociosidade. Segundo, para que aprendam um ofício que possam exercer quando deixarem o cárcere. No entanto, ressalta a advogada, a administração pública não pode deixar de pagar os detentos.
“As unidades prisionais deveriam aproveitar a maior oportunidade possível para que os presos pudessem remir pena. Mas isso não exclui a obrigação de o Estado remunerar os presos. Porque trabalho gratuito é trabalho escravo. Isso é inadmissível. E falarem que é só para voluntários não resolve — afinal, nada em uma prisão é tão voluntário assim. Vejo com maus olhos essa resolução, que viola o artigo 29 da LEP”, critica Maíra.
O juiz da Vara de Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois, destaca que “nenhuma resolução pode legalizar o que é ilegal por lei federal” — no caso, o trabalho sem remuneração, proibido pela LEP.
“Quanto à remição, também é uma forma de se tentar legalizar o que está errado e incentivar o preso a fazer esse trabalho ‘voluntário’, pagá-lo sem a remuneração que tem direito. A jurisprudência já tem aceitado a remição dessas atividades para não tornar mais injusta a prática, mas a resolução não tem o condão de torná-la legal. No mundo de ilegalidades que é o sistema penitenciário, essa resolução só tem uma vantagem, que é a de padronizar e diminuir as desigualdades de tratamento que uma prática ilegal e costumeira provoca”, opina.
O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que trabalho voluntário desenvolvido por preso nem sempre deve ser remunerado, pois a prática também gera benefícios como a remição da pena. Na ocasião, o relator, ministro Herman Benjamin, reconheceu que o artigo 29 da LEP dispõe que o trabalho desenvolvido pelo preso será remunerado, mas também destacou a finalidade educativa e produtiva do serviço prestado.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 31 de julho de 2018.
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