O presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Romão Cícero de Oliveira, recebeu a ConJur em seu gabinete para defender a mais nova aquisição da corte: 300 tornozeleiras eletrônicas.
Até maio de 2018, o Distrito Federal registrava 15.962 presos, sendo 8.068 em regime fechado, 4.580 em semiaberto, 3.255 provisórios e 59 que receberam medidas de segurança. Além disso, havia 8.076 mandados de busca em aberto.
A lei federal que autoriza o uso da "vigilância indireta" foi aprovada há quase oito anos. No DF, o equipamento pode ser usado por presos que respondem pelo processo em liberdade no Núcleo de Audiências de Custódia (NAC), por detidos no regime semiaberto da Vara de Execuções Penais (VEP) e ainda pelos detentos vinculados à Vara de Execuções das Penas em Regime Aberto (Vepera).
enquanto um preso custa aproximadamente R$ 2 mil por mês, a aquisição do equipamento para monitorá-lo gira em torno dos R$ 161,20.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual é o objetivo dessa ação das tornozeleiras?
Romão Cícero de Oliveira — Primeiro vamos dizer o objetivo das penas. O Estado aplica sanção penal para corrigir o rumo das pessoas. Não é a título de castigo, é a título de retificação de rumo. A tornozeleira é um instrumento que o indivíduo estará vinculado aos olhos do Estado com certa passividade sem estar entre quatro paredes. As quatro paredes é um hotel. O hotel-presídio custa muito caro ao Estado. A tornozeleira custa também, mas é muito mais barato. O preço é módico comparado com a hotelaria. O preço de cumprimento de pena, o maior deles é a hotelaria, que tem segurança. Na nossa casa casa não tem, no presídio tem. Eles têm que ter uma segurança interna e externa, para que o Estado diga que a pessoa está recolhida.
A tornozeleira é uma experimentação. Nós temos que ter um modelo que consiga corrigir as pessoas, trazê-las de volta para um ambiente onde essa pessoa se acostume a ter orçamento modesto.
ConJur — Como funciona a implantação da tornozeleira?
Romão Cícero de Oliveira —A tornozeleira eletrônica tem o poder de diminuir o preço, porque é um instrumento e o Estado conta com a participação de quem vai receber esse benefício. Ele precisa ter energia elétrica em casa, precisa ter um aparelho celular para colocar à disposição. Tem que estar com o aparelho celular constantemente ligado para que a sua tornozeleira esteja ligada em um sistema eletrônico de comunicação. Se ele desligar o celular nós não vamos ter contato com ele, mas também ele estaria fugindo.
ConJur — E nesse caso, a polícia vai ser acionada...
Romão Cícero de Oliveira — É, na hora que ele desligar o celular a Secretaria de Segurança vai saber que ele está fugindo da ação do Estado. Ele está sob o controle do Estado. Coloca-se uma equipe monitorando os computadores e acompanhando o indivíduo dentro da cerca que foi estabelecida para ele. Ele tem direito de trabalhar, voltar para casa e recolher-se à própria casa. Se sair desse cercado, a secretaria aciona a equipe mais próxima que houver para recolhê-lo.
ConJur — São presos que não oferecem perigo?
Romão Cícero de Oliveira — Eu não estou me referindo ainda ao chamado criminoso... Aquele que atende seus anseios sexuais por meio do crime, por exemplo. Este é outro problema porque tal como o criminoso contra o patrimônio, ele tem grande dificuldade de retornar, porque ele tem um DNA próprio para isto. Uma vez despertado ele vai ter dificuldade de retornar ao leito da normalidade. O criminoso contra a liberdade sexual, o criminoso contra o patrimônio nas suas mais diversas modalidades.
ConJur — Por quanto tempo o preso pode usar a tornozeleira?
Romão Cícero de Oliveira — A tornozeleira é para ser usada durante 90 dias. Depois desse prazo, o juiz pode renovar. Mas aqui é para ele ter terminado a sentença. “Pronto, agora você está no regime fechado”. Tira-lhe a tornozeleira, entrega para a secretaria e vai usar em outro quando o juiz ordenar. Tornozeleira é um instrumento muito bom porque o Estado sabe onde a pessoa está e, na hora que ele quiser fugir, o Estado já o encontrou.
ConJur — Atualmente, quantas pessoas usam a tornozeleira?
Romão Cícero de Oliveira — Temos 73 pessoas sendo monitoradas, sendo 24 implantadas nas audiências de custódia, para presos provisórias. Desses, temos sete casos aplicados pela VAP que, provavelmente são aqueles casos que precisam de um estudo e tudo mais, não pode progredir sem os requisitos que a lei estabelece; quatro casos aplicados pela Vepera, que é a vara de casos do regime aberto, prisão domiciliar, e três casos aplicados pelas varas criminais de um modo geral, que se aplicam também àquela questão dos presos provisórios.
Conjur — O uso das tornozeleiras vai resolver o sistema prisional e impedir novos crimes?
Romão Cícero de Oliveira — Quando os juízes executam penas já transitadas em julgado, têm que obedecer ao que consta na sentença. Eles não podem inventar muita coisa. A roda não pode ser inventada por eles. Eles têm que executar o que a sentença contém. Por isso que é mais difícil aplicar a esse somatório de 12.500 presos. Mas é fácil, é perfeitamente factível diminuir o número de presos provisórios.
As penas são muito variadas, mas a grande maioria desses casos é por uma ameaça e essa ameaça é difícil de dizer que a tornozeleira vai resolver. O indivíduo pega o telefone e faz ameaça. O indivíduo vai à porta e faz ameaça. O indivíduo encontra na rua e faz ameaça. Quando o indivíduo é preso pela Lei Maria da Penha por agredir a mulher e fugiu sem fazer nenhuma ameaça, também pode usar o equipamento. É um limite.
ConJur — Não pode chegar perto da pessoa violentada...
Romão Cícero de Oliveira — Também vai ajudar. O juiz diz “não pode se aproximar da sua mulher à distância de 200 metros”. Faz-se um cercado. Se o indivíduo está se aproximando da casa, a polícia vai lá e tira antes dele chegar e fazer a agressão.
ConJur — Dessas 73 pessoas monitoradas hoje, cada uma tem um raio diferente?
Romão Cícero de Oliveira — Exatamente. O indivíduo que usa o aparelho tem seu determinado espaço, cada um com sua peculiaridade. O cercado da tornozeleira atende ao ambiente que o indivíduo deve estar na sua vida normal, para aproximá-lo ao máximo da vida normal.
Se o indivíduo for padeiro e preso preventivamente, vai deixar de trabalhar na área. Se consegue ser monitorado a distância e o empregador dele diz: “tem que fazer pão de uma da manhã até cinco da manhã. O ponto alto do trabalho dele é esse. E sai daqui nove, dez horas da manhã, quando toda sua atividade tiver esgotado sua carga de trabalho”, então eu tenho que estabelecer outro horário, por exemplo.
ConJur — O senhor teve algum caso de horário alternativo nesses 36 anos de magistrado ?
Romão Cícero de Oliveira — No pedido de Habeas Corpus de um cidadão, até de nível superior, examinei que o local onde ele trabalhava terminava o expediente às vezes depois das 22 horas. Eu estabeleci e mandei um expediente para o diretor de que ele só poderia ficar no máximo até as 22 horas. Era homicídio, então a pena era alta, de 12 anos. Mas eu mandei que ele ficasse aguardando o julgamento em liberdade, até para que as pessoas que dependiam da mão de obra, do salário dele, não tivessem uma queda porque ele ia ter só auxílio reclusão, que é uma coisa diferente. E dei. Naquele tempo eu não tinha conhecimento da tornozeleira no DF.
ConJur — Qual sua opinião sobre o sistema prisional brasileiro?
Romão Cícero de Oliveira — Quem não constrói escolas constrói presídios. O Brasil fez a opção por construir poucas escolas... Nós temos uma população desorientada que descambou para o crime. Isso, a meu ver, o Estado tem lá a sua responsabilidade originária. O homem não nasce criminoso nem é criminoso pelo DNA. É um conjunto, é um feixe de forças que leva alguém a praticar crimes. Agora, depois que começa a praticar crimes, é difícil de retornar à origem.
Vamos admitir uma contravenção mínima que é a vadiação, a vadiagem. O indivíduo se envereda pela vadiagem porque é mais fácil obter R$ 100 por dia do que trabalhando duro e ganhar R$ 40. Trazer de volta o indivíduo que toda noite sai para bater carteira é muito difícil. Agora, é um fio de cabelo para chegar ao assalto. Por exemplo, a prostituição não é crime. É crime a exploração da prostituição. Mas quem está na rua praticando a prostituição, o caminho para o assalto é um fio de cabelo. Isso tudo tem a ver com educação. As pessoas não nascem prostitutas nem nascem criminosos. Elas são injetadas em uma sociedade que tem todos esses vícios e algumas virtudes. As virtudes não têm sido bem distribuídas para todos, deixado ao alcance de todos as veredas das virtudes. As veredas do crime são largas e abundantes. Se alguém está lá e entra em uma das veredas é muito difícil sair do labirinto do crime para o caminho correto.
Gabriela Coelho é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2018.
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