Apenas uma mulher pode ser cadastrada para visitas íntimas a um homem preso. Como o cadastro só permite uma pessoa e o ordenamento jurídico brasileiro é norteado pelo princípio da monogamia, não há espaço para a inclusão de mais de mulher.
Assim entendeu a 3ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal ao manter, por unanimidade, a decisão da Vara de Execuções Penais que negou autorização para uma mulher visitar um detento por haver outra cadastrada anteriormente.
Ao pedir o direito especial de visitação, o detento alegou que não cabe ao Estado interferir nas relações particulares dos internos e, como mantém relação com duas mulheres, a visita de ambas deveria ser admitida. Ele ainda argumentou que que o convívio familiar entre o preso e suas companheiras é primordial para alcançar sua ressocialização.
Ao negar o recurso, a turma entendeu que “o relacionamento concomitante de preso com duas mulheres não pode ser tido como união estável, sendo inviável o cadastramento de ambas como companheiras no rol de visitantes de um único detento”. Segundo os magistrados, o Código Penitenciário do Distrito Federal permite catalogar um só indivíduo a cada 12 meses para fins de visitas regulares, a título de cônjuge ou de pessoa em situação análoga.
Para o relator do caso, desembargador Jesuíno Rissato, como o detento já contava com uma convivente cadastrada para fins de visitação, com a qual se encontrava regularmente, o relacionamento simultâneo do preso com duas mulheres não poderia configurar-se como união estável, “pois o princípio da monogamia, até o presente momento, ainda norteia o nosso ordenamento jurídico pátrio, não se admitindo a concomitância de relacionamentos amorosos para fins de constituir família”.
Além disso, segundo o magistrado, o direito a visitas ao preso não é absoluto, e precisa ser ponderado com base no caso concreto e na legislação vigente. Isso para resguardar o funcionamento do sistema carcerário e a segurança no meio prisional e da sociedade em geral, bem como preservar a isonomia entre os custodiados.
"Não seria possível aplicar um critério objetivo para escolher alguns presos a serem beneficiados com a regulamentação de visitas de duas, três, quatro companheiras, com direito, inclusive, a visitas íntimas no parlatório com todas elas, em detrimento de outros internos que seguiriam observando, por exemplo, a visitação de cônjuge. Os desdobramentos advindos dessa situação seriam imprevisíveis, podendo gerar perda do controle das visitas conjugais, situação que, sem sombra de dúvidas, fragilizaria o sistema penitenciário, inclusive com a facilitação de deflagração de revoltas internas", argumentou Rissato.
Por fim, o desembargador ressaltou que, caso a mulher atualmente cadastrada não seja a verdadeira convivente do custodiado, ele pode requerer ao diretor do presídio a alteração da qualidade da visitante.
Na decisão de 1° grau, a juíza da Vara de Execução Penal afirma que a cadastrada para as visitas visita regularmente o interno, tendo comparecido nas últimas cinco últimas visitas, sendo a última datada no em 28 de dezembro de 2017.
"Ao que tudo indica, a pessoa que já se encontra cadastrada no rol de visitantes do interno é realmente sua companheira e, qualquer mudança neste status deve partir de declaração do próprio interno junto ao setor administrativo do presídio onde se encontra", diz, na sentença.
Decisão arbitrária
Para o advogado criminalista Reinaldo Santos de Almeida, que também é professor de Direito Penal da UFRJ, o que deve prevalecer é a autonomia privada para a constituição da família, seja uma ou múltiplas, seja composta por pares, trios.
“O amor foge aos regulamentos e não possui fronteiras. O Estado não tem legitimidade para disciplinar o amor, o afeto e o desejo. Nem mesmo para criar tipologias em que deve o indivíduo se enquadrar, sob pena de sofrer discriminações”, afirma.
De acordo com o advogado, o preso em regime fechado sofre apenas a restrição da sua liberdade de locomoção, conservando todos os direitos constitucionais, "dentre eles, o direito fundamental de amar”.
"Em termos de família, a criminalização da bigamia, por exemplo, é a manutenção anacrônica da família patriarcal-burguesa do século XIX", aponta o professor.
Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
RAG 2018 00 2 002304-0
Ana Pompeu é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 4 de junho de 2018.
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