Até os idos de 2009 a execução antecipada da pena era autorizada pela jurisprudência. Foi da caneta do então ministro Eros Grau que, em 5 de fevereiro de 2009, ao julgar o HC 84.078, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal entendeu, à época, ser inconstitucional prender alguém antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (salvo, claro, nas hipóteses de cabimento de prisão cautelar). Daí não só a mudança jurisprudencial, como a edição do artigo 283, do CPP.
Com o julgamento do HC 126.292 (STF) e, mais recentemente, das medidas liminares requeridas (e indeferidas) nas Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 43, o Supremo voltou a autorizar a execução antecipada da pena: após finalizado o julgamento da apelação e de eventuais embargos de declaração, infringentes e de nulidade, se mantida a condenação com pena privativa de liberdade, deve ser expedido mandado de prisão.
Segundo o voto do ministro Teori Zavascki, relator do habeas corpus cujo julgamento iniciou a mudança de posição do e. STF, o cumprimento de pena após o julgamento de segunda instância se justifica porque é após este que se exaure a matéria de fato contestável — ou seja, findo o julgamento de segundo grau, a matéria fática torna-se inconteste e definitiva.
“Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado.
(...)
Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece
inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado.” (fls. 9-10) [grifos nossos][
1]
Daí a pergunta que tentaremos responder, singelamente, com o presente artigo: se após o julgamento da Apelação, na pendência de Recursos Especial e/ou Extraordinário manejados pela defesa, surgirem novas provas que apontem para a absolvição do indivíduo, terá ele que desistir de seus recursos para poder rediscutir as novas provas via revisão criminal? Ou ainda em casos em que uma nulidade absoluta for verificada apenas após finda a análise pelas instâncias ordinárias, não poderá ser coarctada pela mesma revisão?
Não se desconhece o disposto no artigo 621 do Código de Processo Penal, que elenca como uma das condições da ação de revisão criminal a existência de sentença penal condenatória transitada em julgado — “processos findos”, nos dizeres da lei [
2].
Ocorre que, nos casos em que se inicia uma execução antecipada da pena, ainda que não exista sentença transitada em julgado contra o indivíduo, passa a pender contra ele grave restrição de sua liberdade. Fica preso enquanto seus recursos são discutidos perante o STJ e o STF.
Reformando visão prévia ao entender cabível a execução antecipada da pena após o julgamento em primeira e segunda instâncias, o Supremo Tribunal Federal deu aval ao início de cumprimento da pena antes de esgotadas as possibilidades recursais da defesa. Ao fazê-lo, a corte criou uma situação semelhante àquela em que é aplicável a ação de revisão criminal.
Isto porque, se nos voltarmos à verdadeira razão de ser do instituto da revisão criminal, qual seja, a prevenção da perpetuação de injustiças — e de forma mais incisiva, por tratar-se da seara penal, a prevenção de restrições de liberdade injustificadas —, verificar-se-á que a revisão criminal é perfeitamente aplicável na pendência dos recursos especial e extraordinário, quando já iniciada a execução.
Em que pesem as severas discordâncias com a mudança jurisprudencial trazida pelo STF, é fato que o Supremo permitiu que, de seu entendimento, fosse extraída nova hipótese de cabimento da ação de revisão criminal.
O artigo 621 e incisos, do Código de Processo Penal, trazem como hipóteses para a conveniência da revisão criminal: (i) a sentença condenatória ser contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; (ii) a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; e (iii) a descoberta, após a sentença, de novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Da observância das três hipóteses, infere-se que a ação autônoma de impugnação (revisão criminal) é ensejada, em todos os casos, por análise de matéria fática.
A levar-se a cabo o entendimento do ministro relator do HC 126.292, portanto, o caput do artigo 621, do CPP, que disciplina a revisão criminal, quando dispõe sobre “processos findos” estaria se referindo, em verdade, a processos cuja matéria fática já é definitiva. Isto porque, ao entender que o artigo 5º, LVII da Constituição da República — qual seja, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” — pode ser interpretado com o sentido “ninguém será considerado culpado até o exaurimento da matéria fática”, o STF abriu margem para que se aplique entendimento de que processo findo pode ser processo cujos fatos não mais são discutíveis.
Ora, se para o Supremo a decisão de segunda instância é suficiente à “fixação da responsabilidade criminal do acusado”, também por esta lógica deve ser suficiente à consideração de um processo como findo.
O raciocínio é simples: Sendo a revisão criminal ação que se presta a rediscutir fatos, e sendo a matéria fática exaurida após o julgamento em segunda instância — mas podendo os apenados serem privados de sua liberdade após este grau recursal — nada impede que seja a revisão cabível àqueles cuja pena é executada antes do esgotamento dos recursos possíveis.
Mais do que isso, em se tratando de processo em que há hipótese de restrição da liberdade do condenado, as possibilidades de rediscussão devem necessariamente ser maiores — assim o é no caso da condenação transitada em julgado, em que se pode reabrir a discussão através de ação autônoma de impugnação, e assim deve ser no caso do condenado que já se encontra cumprindo pena (e, portanto, também já teve sua liberdade cerceada).
Negar àqueles que estão presos, em cumprimento de pena após a decisão do Supremo, a possibilidade de manejar uma revisão criminal seria um disparate lógico. Um atentado inclusive à dignidade da pessoa humana. O indivíduo deveria esperar, talvez por anos, o julgamento de recursos de trâmite conhecidamente vagaroso para só então discutir matéria que poderia ensejar a mudança de sua condenação e culminar em sua liberdade. Ou isso, ou seria obrigado a desistir dos recursos já interpostos.
A garantia da celeridade processual, com a execução antecipada da pena, deve ser compreendida como autorizadora de aplicação da revisão criminal antes do trânsito em julgado, assim como serviu a possibilitar a execução provisória da pena do indivíduo cuja jurisdição fática já se esgotou.
Entendimento diverso seria não apenas incoerente, mas cruel. Sujeitaria ao preso a escolha, nada republicana, de ou bem desistir de ter seu caso analisado pelas instâncias extraordinárias, ou de mofar no cárcere enquanto aguarda para, formalmente, poder levar ao conhecimento do Poder Judiciário prova nova que possa acarretar em sua absolvição.