Caiu o último foco de resistência ao porte de armas nos Estados Unidos. A Suprema Corte de Illinois foi o último estado, de uma série, a declarar a inconstitucionalidade da lei estadual que proíbe o uso de armas em lugares públicos. Foi uma grande vitória da National Rifle Association (NRA), a entidade que defende os fabricantes de armas no país, afirmou o Chicago Sun-Times, na quinta-feira (12/13). "O debate acabou. Nós ganhamos", declarou ao jornal o lobista da NRA, Todd Vandermyde.
A NRA ganha, muita gente perde. Na sexta-feira (14/12), um rapaz de 20 anos matou 28 pessoas em uma escola primária de Connecticut — entre as quais a própria mãe e 20 crianças de cinco a dez anos. Se a polícia o pegasse armado na rua ou mesmo na porta da escola, nada poderia feito para detê-lo porque era seu direito portar armas. Muito menos impedir que ele adquirisse a arma legalmente, sem demonstrar necessidade de se proteger contra alguma ameaça real.
Foi mais um massacre, entre vários que têm ocorrido no país nos últimos tempos, sem que o debate sobre o controle de armas tome fôlego. Nem há indicações de que o último massacre, que ainda está quente, vai reacender discussões sérias sobre o tema. Essa possibilidade sequer foi destacada pela maioria dos jornais. Questionado por um repórter, o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, disse sobre o controle de armas: "Um dia isso vai acontecer, mas não hoje".
Permanece a antiga imagem do americano cumprindo o ritual e pegar sua arma, antes de sair de casa, como no "Velho Oeste". Ninguém pode usar um cinturão, com um revólver no coldre, pronto para ser sacado. Nada de John Waynes nas ruas. As legislações estaduais só permitem o uso de armas "escondidas". Mas qualquer um pode resolver suas disputas à bala, como nos velhos tempos, se puder convencer o xerife (ou a Justiça, em alguns casos) que a questão era de legítima defesa.
Em 30 dos 50 estados americanos, nem isso é necessário. Esses estados aprovaram uma lei patrocinada pela NRA, a "Stand your ground law", que retirou da legislação algumas "inconveniências" do princípio da legítima defesa, como a de que a pessoa deve tentar se retirar de uma situação de conflito, antes de atirar — por isso a lei se chama algo parecido com "não ceda terreno".
E também não tem de esperar, como no "Velho Oeste", que o outro tente sacar primeiro a arma — ou que se comprove que o caso era realmente de uma vida contra a outra. Basta declarar à Polícia, quando ela aparecer, que sentiu que sua vida estava ameaçada. A Polícia sequer pode indiciar o que seria um "suspeito", sob pena de ser processada.
A Segunda Emenda da Constituição dos EUA concedeu aos cidadãos o direito de "possuir e portar armas". Isso significa que qualquer americano pode carregar armas de fogo, facas, navalhas, canivetes, espadas ("escondida" dentro de uma capa) ou qualquer instrumento com o qual possa "se defender" – desde que sua atitude não possa ser caracterizada como intenção de praticar terrorismo. A intenção dos chamados "fundadores" dos Estados Unidos foi garantir às pessoas e às milícias formadas por elas o direito de lutar contra governos opressivos.
Os colonizadores do país estenderam o direito das milícias portarem armas pelas seguintes razões: "deter governo tirânicos; repelir invasões, suprimir rebeliões, facilitar o direito natural à defesa própria, participar de serviços de segurança e permitir às pessoas organizar milícias", segundo a Wikipédia.
Hoje, o país não sofre mais com governos tirânicos, nem necessita de milícias. Mas os grupos de defesa do direito de porte de armas, patrocinados pela NRA, usam uma citação de Thomas Jefferson, como bandeira: "Nenhum homem livre deve ser privado do uso de armas". A continuação do discurso não interessa, porque não faz mais sentido: "A razão mais forte para as pessoas manterem o direito de possuir e portar armas é, em última instância, proteger-se contra a tirania de governos".
A Suprema Corte de Illinois fixou o prazo de 180 dias para a assembleia legislativa do estado aprovar uma nova lei, para regulamentar o porte de arma em lugares públicos. A regulamentação esperada, no caso, deve se referir principalmente a locais públicos onde o porte de arma deve ser proibido. As ideias, por enquanto, são de proibir o porte de armas em lugares tais como a assembleia legislativa, órgãos públicos, tribunais, escolas, estádios e ginásios, parques de diversão, museus e bibliotecas. No caso das bibliotecas, faz muito sentido, porque ninguém consegue ler com o barulho de um tiroteio. Quanto às igrejas, a decisão poderá ficar para as próprias.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 17 de dezembro de 2012
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