Somente este ano começaram a tramitar 65 projetos de lei propondo mudanças no texto.
A cena é comum. Um deputado elabora um projeto de lei para alterar o Código Penal, seja para endurecer a punição de um crime, seja para mudar a regra de cumprimento de pena ou qualquer outro dispositivo. Somente em 2012, começaram a tramitar na Câmara 65 projetos de lei que tentam modificar o Código. Mas essa fúria legislativa, com projetos isolados que não conversam entre si, é alvo de críticas: em vez de melhorar a legislação penal brasileira, pode até mesmo trazer mais distorções num código criado em 1940 e que já passou por várias reformulações.
No campo de pesquisas de proposições no site da Câmara, ao digitar a expressão “código penal” é possível encontrar 1.550 projetos. O mais antigo é de 1947 e foi arquivado um ano depois. O mais recente foi apresentado em 19 de dezembro pelo deputado Onofre Santo Agostini (PSD-SC). O parlamentar propõe estabelecer pena de detenção de até três meses ou internação compulsória para quem “mendigar, por ociosidade ou manutenção do vício químico”.
Essa proliferação de propostas é classificada pelo professor Evandro Piza, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), como uma “perfumaria que dá voto”.
— É um foco, um falso olhar sobre o problema da segurança pública no país. Nós temos essa ideia de que o problema da segurança pública se resolve com reforma legislativa. E o que nós precisamos é de uma reforma institucional e de políticas institucionais — avalia Piza, para quem é falso dizer que o Código, elaborado em 1940, é defasado:
— Esse argumento da defasagem é muito mais retórico que real. Esse Código de 1940 não é mais de 1940. Já foi extremamente alterado.
Além dos projetos mais pontuais, o Congresso teve este ano duas tentativas mais amplas de reformar o Código: uma mais ambiciosa, promovida pelo Senado, e outra mais limitada, na Câmara. A do Senado foi elaborada por uma comissão de juristas, que fez um anteprojeto que agora já tramita como projeto de lei. A proposta da Câmara — subdividida em dez projetos — foi elaborada por uma subcomissão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) formada especialmente para isso.
Penas desproporcionais
O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) foi o relator da subcomissão da CCJ da Câmara que tratou do tema. Ele defende que a legislação penal seja vista como um sistema, ou seja, não pode haver incoerências. Quando há modificações pontuais promovidas por projetos isolados, diz Molon, há o risco de se criar penas desproporcionais, como acontece hoje, em que a pena mínima para falsificação de cosméticos é mais alta que a de homicídio.
Segundo o deputado, um dos problemas desses projetos isolados é o que ele chama de “legislação de emoção”, de parlamentares que apresentam projetos depois de um fato de grande repercussão.
— Esse crime de falsificação de remédio e cosmético é um exemplo disso. Ele foi modificado num momento em que havia muitas denúncias de falsificação de remédios, e a pena que se estipulou foi excessivamente alta, de dez anos. E além dos remédios, que era a intenção original, foram acrescentados os cosméticos. O que levou a esse absurdo de que falsificar um xampu hoje é mais grave que matar alguém — diz o deputado.
Entre as propostas apresentadas este ano, há algumas que introduzem como agravante o fato de um crime ter sido cometido contra policiais e funcionários públicos.
Outro tema recorrente são os crimes sexuais. Entre os projetos, por exemplo, há um do deputado Ricardo Izar (PSD-SP) que amplia a lista de crimes desse tipo. Outro, do deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), introduz a internação compulsória para tratamento médico do estuprador contumaz. O mesmo projeto diz que “a critério do juizado de execuções e com a anuência do réu poderá ser proposta a castração química como pena alternativa à perda da liberdade”.
Alguns projetos tipificam novos crimes, como no caso de uma proposta do deputado Márcio Marinho (PRB-BA), que estipula detenção de um a dois anos, além de multa, para quem fizer tatuagem em criança ou adolescente. Segundo o parlamentar, a prática — que hoje é permitida desde que haja autorização dos pais ou responsáveis — “contém diversos riscos à saúde”.
O Globo.
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