terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Juiz é advertido por julgar comportamento de vítima


A função de juiz é julgar como todos sabem. Resta saber o quê. Nesse quesito, até mesmo juízes experientes podem cometer deslizes. Por exemplo, o juiz Derek Johnson, que atua desde 2000 em um tribunal superior de Los Angeles, incluiu em sua sentença condenatória de um estuprador sua opinião sobre o comportamento da vítima. Foi publicamente advertido pela Comissão de Desempenho Judicial da Califórnia. A informação é da Courthouse News Service.
Em sua sentença, o juiz fixou seis anos de prisão para o réu depois que ele foi condenado pelo júri. Mas não antes de expor seus "conhecimentos" sobre vítimas de estupro ou de qualquer tipo de crime sexual. "A vítima não lutou contra o estuprador", foi sua primeira declaração. "Quando alguém não quer ter uma relação sexual, o corpo se fecha", foi a segunda, a que mais incomodou os membros da comissão.
A comissão decidiu, por 10 a 0, lhe aplicar a advertência pública por "comentários inapropriados e violação da ética judicial", no pronunciamento de sua sentença. "Os comentários criaram a impressão de que o juiz não é imparcial em casos que envolvem estupro, se a vítima não apresentar ferimentos sérios para comprovar que opôs resistência ao estuprador", diz a ordem que impôs a advertência pública nesta quinta-feira (12/13).
De acordo com a ordem da comissão, o réu foi condenado pelo júri por estupro, sexo oral forçado, violência doméstica com ferimentos corporais, assédio, ameaças criminosas, com o uso de uma faca e outros instrumentos que poderiam ser fatais. A vítima, por sua vez, namorou o réu, viveu com ele, o expulsou de casa e voltou a se encontrar com ele, mesmo sob ameaças. E também o denunciou à Polícia.
No entanto, depois de botar o réu para fora de casa e denunciá-lo à Polícia, a vítima voltou a se encontrar com o réu, no apartamento dele. Segundo ela, com medo de suas ameaças, sustentou a comissão em sua ordem de sete páginas, na qual descreveu o que aconteceu entre quatro paredes:
"O réu queimou seus seios com um bastão quente de metal, quebrou seu telefone celular, esquentou uma chave de fenda e ameaçou marcar seu rosto e seu corpo, ameaçou queimar seu cabelo com um isqueiro, mostrou que poderia atirar nela, a obrigou a fazer felação, a estuprou, ejaculou em sua boca e foi dormir. A vítima não foi embora porque o sono do réu é muito leve e seus movimentos poderiam acordá-lo. Pela manhã, foi comunicada pelo réu que iria viver com ele no apartamento. Ela disse que iria à casa buscar suas roupas, mas foi à polícia denunciá-lo outra vez".
Toda essa história tornou-se uma tentação para o juiz Johnson julgar o comportamento da vítima. A condenação imposta pelo júri previa múltiplas penas de prisão, num total de 16 anos. O juiz concordou com a ideia de múltiplas penas, mas decidiu que elas seriam "concorrentes" — isto é, seriam pagas simultaneamente, prevalecendo o total de seis anos. Quando o promotor perguntou por quê, o juiz disse:
"OK, eu explico. Antes de ser juiz, eu passei um ano e meio na Promotoria, na unidade de crimes sexuais. Eu sei alguma coisa sobre estupro. Eu vi o que é estupro. Vi mulheres que foram violentadas e feridas, cujas vaginas foram retalhadas pelo estupro. Eu não sou um ginecologista, mas posso lhe dizer uma coisa: se alguém não quer ter intercurso sexual, o corpo se fecha. O corpo não vai permitir que isso aconteça, a não ser que muito dano seja infligido. E nós não ouvimos nada sobre isso neste caso. Isso me diz que a vítima, neste caso, embora ela não estivesse necessariamente querendo, ela não lutou. E tratar este caso como os casos de estupro que temos visto e sobre os quais ouvimos é um insulto às vítimas de estupro. Eu penso que é um insulto. Eu penso que isso vulgariza o estupro".
O promotor pediu para falar e foi atendido. O juiz retrucou: "Eu apenas cheguei à conclusão de que as ameaças foram técnicas. Acho que todo o caso foi técnico. O estupro foi técnico. A copulação oral forçada foi técnica. É mais um teste de legislação criminal do que um caso criminal da realidade. Não sei mais o que falar – a não ser que o réu está condenado a seis anos de prisão".
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 14 de dezembro de 2012

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