A superlotação do sistema prisional é um problema que se arrasta há décadas no Brasil, cresce cada vez mais e não tem perspectiva de solução a curto prazo com os atuais recursos materiais e legais colocados à disposição dos gestores públicos. Essa foi a mensagem passada por três grandes especialistas em Direito Penal que participaram do seminário “A Questão Penitenciária’’, no dia 20 de novembro, no Centro Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre.
Das inúmeras reflexões trazidas ao público, sem dúvida, a que mais chamou a atenção foi a questão da superlotação das casas prisionais, que acabaram se tornando depósitos de gente e ‘‘fábrica do crime’’ ao longo das últimas décadas. Os dados expostos pelos especialistas não deixaram dúvidas sobre as causas da explosão carcerária.
Em 1995, o Brasil tinha 190 mil presos. Em junho deste ano, em dados extra-oficiais, o número de apenados chegou a 538 mil. Esta verdadeira ‘‘explosão carcerária’’ vem numa curva ascendente desde 2006, quando o Congresso Nacional aprovou a Lei 11.343, que livrou o usuário e/ou dependente de droga da pena prisão. Resultado: hoje, 32% dos presos no Brasil são traficantes de drogas. ‘‘Uma lei libertária deu efeito exatamente contrário, contribuindo, enormemente, para superlotar o nosso sistema prisional’’, constatou o secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Airton Michels. Conforme apurou, até 2006, o tráfico encarcerava de 8 a 9% em todo o Brasil. O Rio Grande do Sul estava em patamar muito semelhante.
O coordenador do Departamento de Monitoramento do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Sócio-Educativas do Conselho Nacional de Justiça, juiz Luciano Losekann, disse que o excesso de prisão preventiva contribui muito para agravar o problema da superlotação das nossas cadeias. ‘‘Dos 538 mil, cerca de 43% são presos provisórios’’, disparou. É gente que, no desespero, furtou um shampoo ou um chocolate, casos de bagatela que não justificariam encarceramento, muito menos preventivo.
Isso ocorre, segundo ele, porque alguns juízes entendem que, prendendo o suspeito antes de concluir o processo, estarão colaborando para diminuir os índices de criminalidade. A prisão provisória funcionaria, neste viés, como um ‘‘mecanisno de antecipação de pena’’. O juiz, no entanto, não é órgão de segurança pública, mas garantidor dos direitos individuais, de acordo com a Constituição, ‘‘doa a quem doer’’, frisou Losekann.
Ele afirmou que a situação prisional poderia ser abrandada se seus colegas utilizassem em larga escala a Lei 12.403, a vulgarmente chamada ‘‘Lei das Medidas Cautelares’’, substitutivas de prisão, em vigor desde julho de 2011. A lei lista nove medidas que podem ser aplicadas ao infrator que for condenado a uma pena inferior a quatro anos de reclusão, dentre as quais o monitoramento eletrônico (uso de tornozeleiras), comparecimento em juízo e recolhimento domiciliar.
Para saber os motivos de por que esta lei não ‘‘pegou’’ ainda, Losekann informou que o CNJ está fazendo uma pesquisa com todos os magistrados criminais do Brasil. Até o dia 30 de dezembro, eles terão que justificar, na pesquisa oficial, o motivo da não-aplicação das medidas cautelares em substituição às pena de prisão.
Ele concordou, entretanto, que um dos mais fortes argumentos contra a utilização destas medidas é a falta de fiscalização, o que deixa o juiz inseguro. ‘‘Nós não conseguimos fiscalizar o livramento condicional, nem as condições da suspensão condicional do processo, da pena. Imagina, fiscalizar isso aí. Haja orçamento, haja funcionário’’, comenta.
A falta de interlocução entre a área criminal com a infracional foi apontada pelo presidente do Conselho Penitenciário do Rio Grande do Sul, Rodrigo Puggina, como um dos fatores que travam a busca de soluções. Ele cita a questão da drogadição, em que se prevê um tipo de abordagem para o usuário adulto e outro para o menor. Embora exista boa interlocução entre as cúpulas das instituições, este diálogo ainda é muito raro nos locais onde acontecem os fatos — no município.
Enfim, a ponta penitenciária, a ‘‘cloaca da justiça criminal’’, só não explodiu ainda pelo pequeno índice de condenações, considerando o volume considerável de registros policiais. ‘‘Se a maioria dos inquéritos policiais fosse solucionada, e chegássemos ao final com a possibilidade de uma condenação, nosso sistema estaria mais do que falido’’, previu o juiz André Losekann.
O evento foi promovido pela Procuradoria-Geral do Estado Rio Grande do Sul (PGE-RS) em conjunto com a Escola Superior da Advocacia Pública (Esapergs). Reuniu nomes de peso, como Luciano André Losekann, juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e coordenador do Departamento de Monitoramento do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Sócio-Educativas daquele Conselho; o secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Airton Michels, professor de Direito Penal e ex-corregedor-geral do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça; e Rodrigo Puggina, presidente do Conselho Penitenciário do Estado, vice-coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB gaúcha e do Movimento Nacional pelo Voto do Preso pelo Instituto de Acesso à Justiça e do Movimento Nacional pela Consciência Prisional.
LEP divorciada da realidade
Publicada em 11 de julho de 1984, a Lei 7.210, conhecida como ‘‘Lei de Execução Penal – LEP’’, recebeu críticas severas do secretário Airton Michels. ‘‘Ela nunca bateu na realidade’’, disse ele.
Conforme o secretário, em 1974, o Brasil contava com cerca de cinco colônias penais. Hoje, possui 11. Em 1984, tinha 700 casas prisionais, contando com as celas de delegacias. Agora, são 1.800 presídios. Ou seja, o Brasil investe em presídio fechado porque é inviável colocar preso para trabalhar em agricultura. Primeiro, porque é oneroso ao estado manter 500 presos numa colônia penal de 1.000 hectares. Segundo, porque 95% dos presos são oriundos da zona urbana — portanto, sem nenhuma identidade com as lides do campo.
Em 1984, quando de sua criação, citou Michels, a LEP já previa que todo o preso deve ter direito a uma cela individual — e com banheiro. Desde 2003, com a implantação do Regime Disciplinar Diferenciado — o famigerado ‘‘RDD’’ —, prevê que o preso que sofre castigo irá para uma cela individual. Castigo ou direito, contradilçao à parte, a verdade é que todo o preso quer cumprir a sua pena numa ‘‘convivência coletiva’’. Ele reconheceu, entretanto, que nunca haverá recuperação de um indivíduo que está com 300 pessoas em um local onde cabem 100. ‘‘Realmente, temos que correr atrás do prejuízo”. O Rio Grande do Sul tem déficit de nove mil vagas.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 15 de dezembro de 2012
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