Segundo o IBGE, contravenção movimentou quase R$ 700 milhões entre 2008 e 2009
BRASÍLIA - O jogo do bicho é a segunda modalidade de jogo com maior faturamento e número de apostadores no país, atrás apenas da Mega-Sena. Num período de 12 meses, entre maio de 2008 e maio de 2009, o bicho movimentou pelo menos R$ 571 milhões, desembolsados por 1,1 milhão de pessoas. A estimativa faz parte da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), o mais detalhado levantamento do IBGE sobre hábitos de consumo dos brasileiros.
Os valores estimados pela POF se referem a janeiro de 2009. Corrigido pela inflação, o total de apostas no jogo do bicho naquele período equivaleria a R$ 697 milhões.
Em termos de faturamento, os bingos, outra modalidade ilegal, ficaram em terceiro, com R$ 336 milhões no mesmo período. Máquinas do tipo caça-níqueis e brigas de galos, igualmente proibidas pela lei, também foram citadas, ao lado de jogos de cartas, corridas de cavalo, rifas e loterias federais e estaduais.
A pesquisa do IBGE incluiu entrevistas em 55 mil domicílios de todo o país.
A partir das informações prestadas pelos brasileiros, o instituto estimou em R$ 4,2 bilhões o montante gasto em apostas no país, envolvendo 9,7 milhões de apostadores (5% da população).
O próprio IBGE admite, porém, que o resultado é subestimado, dado o formato da pesquisa, que desconsidera despesas de turistas e não residentes, além de depender da memória e da disposição dos entrevistados de responder às perguntas. Evidência disso é que só o faturamento com loterias da Caixa Econômica Federal totalizou R$ 5,7 bilhões, em 2008, e R$ 7,3 bilhões, em 2009. Acima, portanto, dos R$ 4,2 bilhões estimados pela POF na mesma época.
— Os resultados nunca vão bater — disse o gerente da POF, Edilson Nascimento, chamando a atenção para a metodologia da pesquisa, que registra as despesas com jogos relatadas pelos entrevistados num intervalo de sete dias.
No novo Código Penal, jogo deixa de ser só contravenção
De acordo com a pesquisa do IBGE, o jogo do bicho responde por 14% dos gastos dos brasileiros com apostas. Esse percentual sobe para 22,5% se forem somadas despesas com bingos. Diferentemente das loterias oficiais, o jogo do bicho não paga imposto nem destina parte do dinheiro para programas esportivos, de assistência social e educacionais.
O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, ficou impressionado com os dados da POF. Segundo ele, a repressão é tarefa das polícias estaduais. O governo federal, disse, aposta na via legislativa para intensificar o combate à contravenção. Ele citou a lei contra lavagem de dinheiro, sancionada em julho, e o projeto de novo Código Penal, em análise no Senado.
A proposta do novo código criminaliza o jogo do bicho, que deixa de ser considerado mera contravenção. Se aprovado, elevará a pena para um a dois anos de prisão. Hoje, ela vai de quatro meses a um ano. Ainda assim, o crime continuaria sendo tratado como de menor potencial ofensivo, sujeito a penas alternativas. Já a lei de lavagem pune a dissimulação de dinheiro com origem em infração penal. Antes, o jogo do bicho não fazia parte da lista de atividades passíveis de condenação.
— A grande preocupação não é com o jogo no varejo, mas com a estrutura criminosa por trás — diz Marivaldo.
Uma das modalidades citadas na POF foi o jogo de cartas, com movimento de R$ 119 milhões. Segundo o gerente da POF, isso pode ter relação com cassinos, embora esse tipo de estabelecimento não conste da lista informada ao GLOBO.
Para Antônio Carlos Biscaia, ex-deputado e ex-procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, o levantamento indica que a exploração do jogo segue a pleno vapor. Dadas as características da pesquisa, ele observa que as cifras podem ser bem maiores:
— Percebo isso no Rio, onde sou constrangido a atravessar a rua. Já houve caso de ir ao banco e passar diante de dois bicheiros, sentados em cadeirinhas, na frente da agência. Reclamei. Dois dias depois, eles estavam lá de novo.
Para Biscaia, uma parcela da população nutre simpatia pelo jogo do bicho, sem perceber a estrutura criminosa da atividade. Por outro lado, diz, a corrupção policial é aliada dos contraventores:
— Os chefes mantêm suas atividades. E as novas gerações disputam os territórios de forma mafiosa, procurando eliminar concorrentes.
A Caixa Econômica diz desconhecer estudos confiáveis sobre a competição entre jogo do bicho e loterias federais.
O Globo.
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