segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Humanidades Judiciárias

O Salmo 33, 5 diz que Deus ama a justiça e o Direito. A dinâmica da aplicação da Lei pelo Poder Judiciário implica uma interação constante entre advogados, promotores e juízes, que é sempre intermediada pelo serventuário da justiça. Estas relações humanas são fundamentais para o exercício da cidadania pelo povo do país, permeadas pelo amor que deve habitar a existência de todos.

O advogado é a linha de frente, que capta o fato ou ato jurídico, com sua complexidade, filtrando tudo em seu escritório e o torna conhecido aos seus pares, promotores e juízes. Dessa forma, o escritório de um advogado é um local com características especiais e peculiares. Para muitos um sacerdócio. É nele que as pessoas recebem informações e conhecimentos que permitem decidir se vão prosseguir com processo ou não.

O trabalho do advogado se resume em quatro atos fundamentais. Primeiro: acolher o cliente, sofrido e indignado, para obter o fato. Segundo: elaborar as peças, com a filtragem própria do bom uso do vernáculo, para a entrega ao Poder Judiciário. Terceiro: acompanhar a tramitação das peças no Judiciário interagindo de modo cordato com o serventuário da justiça. Quarto: comparecer aos atos processuais solenes, audiências e julgamentos sempre em interação social e humana com os pares ali presentes, promotores e juízes.

Há os conflitos, mas estes quando excedem as formalidades obrigatórias devem se constituir em raras exceções.

Cada um desses atos fundamentais do advogado é permeado por atividades secundárias. Por exemplo, o atendimento ao cliente pressupõe a prospecção. A elaboração de peças o estudo contínuo e permanente atualização. O acompanhamento de tramitação, a mobilidade e o manuseio da informática e visita periódica ao magistrado. O comparecimento a atos solenes e a habilidade para o trato social formal.

Com o processo judicial eletrônico, perdeu-se muito no contato humano direto do trabalho do profissional do direito. Aquela troca entre antigos e novatos dos corredores do Fórum, o que constitui a chamada “família forense”, quase desapareceu. Os clientes agora buscando mais dinamismo e celeridade estão sempre à busca de consultas por meio eletrônico e também eletronicamente buscam fazer o fornecimento dos documentos e meios para o trabalho do advogado.

O advogado praticamente não vai mais a bibliotecas para estudar e colher jurisprudências. Possuem livros em PDF e repositórios de decisões em sites especializados. E muitos aceitam bem a ideia de “dar um Google” simplesmente. O que reduz severamente o contato com os colegas e com o serventuário da justiça.

No tocante ao contato com juízes está cada vez mais raro. Só se chega ao juiz depois de passar pelo serventuário de justiça, escrivão, assessor. E muitas vezes o que se obtém é um simples “vou olhar”.
 
Mais grave fica a situação quando a estrutura física do fórum inviabiliza mais ainda o contato do advogado com o juiz. Por exemplo, o Fórum cível de Belo Horizonte, recém instalado, colocou a secretaria do juízo em andares diferentes da sala de audiências e do gabinete do juiz.

Desta forma, tem-se em um andar duas ou mais secretarias do juízo instaladas e em outro dois ou mais gabinetes de juízes e salas de audiência. Quando tranquilamente poderiam estar instalados juntos a secretaria, a sala de audiência e o gabinete do juiz no mesmo andar. Facilitando o contato entre profissionais.

Isso dificulta muito o trabalho do advogado. Que precisa, na maior parte das vezes, senão todas, passar na secretaria e conversar, para depois seguir ao gabinete do juiz, em outro andar. O afastamento dos pares dificulta a percepção do amor de Deus na aplicação da Lei.

O trabalho jurídico de aplicação da Lei pelo Judiciário precisa da interação humana entre os pares advogado, promotor e juiz. Promover o distanciamento entre estes agentes reduz a sensibilidade nos atos a serem praticados, afasta a justiça do cidadão e desumaniza os procedimentos.

Sim, é preciso celeridade e eficiência, mas sem sacrificar as humanidades e a sensibilidade dos agentes da justiça. Seres humanos são complexos e os fatos que produzem precisam ser apreciados com reconhecimento desta complexidade, levando em conta emoções e elementos os mais diversificados.

Direito não é matemática, direito é social, fundamentalmente, humanidades.

*Advogado e Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG
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O TEXTO É DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO AUTOR, NÃO REPRESENTANDO, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO OU POSICIONAMENTO DO INFODIREITO. 

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