Não se admite a pronúncia de acusado apenas com base em indícios derivados do inquérito policial. Esse foi o entendimento aplicado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar a pronúncia de um acusado de homicídio. Para os ministros, seriam necessários outros elementos de prova produzidos judicialmente para submeter o réu ao tribunal do júri.
Amparado por depoimento de testemunha ouvida no inquérito, o Ministério Público de Goiás ofereceu denúncia contra dois homens por homicídio qualificado consumado — por motivo fútil, emprego de meio cruel e de recurso que dificultou a defesa da vítima. Interrogados em juízo, um dos acusados assumiu a autoria do crime, mas o segundo negou a participação.
Em primeiro grau, a denúncia foi aceita, mas o Tribunal de Justiça de Goiás deu parcial provimento ao recurso defensivo para despronunciar um dos acusados, pois não haveria indícios seguros ou amparados pela prova coletada na Justiça — o que, no caso, seria a confissão de um dos réus. O TJ-GO também excluiu duas qualificadoras — motivo fútil e a de recurso que impossibilitou a defesa da vítima — do réu confesso.
O Ministério Público interpôs, então, recurso especial sustentando a possibilidade de a decisão de pronúncia ser fundamentada em prova inquisitorial. O órgão alegou ainda que a pronúncia requer apenas indícios de autoria e materialidade delitiva, elementos presentes nos autos.
O relator do recurso no STJ, ministro Ribeiro Dantas, destacou em seu voto que há julgados do tribunal no sentido de admitir a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao artigo 155 do Código de Processo Penal.
Para ele, no entanto, essa não seria a melhor solução para o caso em análise, uma vez que, ao confessar o crime em juízo, um dos corréus assumiu inteiramente a autoria, afirmando que o outro acusado não participou do fato, pois se encontrava em casa dormindo.
“No Estado Democrático de Direito, a força argumentativa das convicções dos magistrados deve ser extraída de provas submetidas ao contraditório e à ampla defesa. Isso porque o mínimo flerte com decisões despóticas não é tolerado, e a liberdade do cidadão só pode ser restringida após a superação do princípio da presunção de inocência, medida que se dá por meio de procedimento realizado sob o crivo do devido processo legal”, esclareceu o ministro.
Segundo Ribeiro Dantas, a prova produzida extrajudicialmente é elemento cognitivo destituído do devido processo legal, princípio garantidor das liberdades públicas e limitador do arbítrio estatal. “Em análise sistemática do procedimento de apuração dos crimes contra a vida, observa-se que o juízo discricionário do conselho de sentença, uma das últimas etapas do referido procedimento, não apequena ou desmerece os elementos probatórios produzidos em âmbito processual, muito menos os equipara à prova inquisitorial”, disse.
De acordo com o relator, na hipótese em análise, optar por solução diversa implicaria “inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal, conferindo maior juridicidade a um procedimento administrativo realizado sem as garantias do devido processo legal em detrimento do processo penal, o qual é regido por princípios democráticos e por garantias fundamentais”.
Contudo, o ministro explicou que essa não foi a opção legislativa. “Diante da possibilidade da perda de um dos bens mais caros ao cidadão — a liberdade —, o Código de Processo Penal submeteu o início dos trabalhos do tribunal do júri a uma cognição judicial antecedente. Perfunctória, é verdade, mas munida de estrutura mínima a proteger o cidadão do arbítrio e do uso do aparelho repressor do Estado para satisfação da sanha popular por vingança cega, desproporcional e injusta”, declarou em seu voto. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
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REsp 1.740.921
Revista Consultor Jurídico, 26 de novembro de 2018.
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