"O decreto de indulto natalino cumpriu o seu dever de contribuir para a quebra da lógica do hiperencarceramento, nesse estágio gravíssimo de convulsão do sistema penitenciário brasileiro, decorrente principalmente de sua assombrosa superlotação".
A declaração é do jurista Nabor Bulhões, em um parecer feito a pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sobre a constitucionalidade do decreto de indulto, que será analisada pelo Supremo Tribunal Federal na próxima quarta-feira (21/11).
O jurista afirma no parecer que o ato presidencial estabeleceu regras gerais, impessoais e proporcionais, com critérios mais rígidos para os condenados por crimes graves ou praticados em reincidência e critérios mais brandos para os condenados por crimes sem grave ameaça ou violência contra a pessoa.
“O decreto só alcança fatos pretéritos, sendo certo que a denominada operação 'lava jato' sequer apresenta condenações que possam ser abrangidas pelos efeitos do decreto de indulto de 2017. As suas regras valem apenas para os condenados que, até 25/12/2017, já tenham cumprido seus requisitos”, afirma.
Ao editar o decreto em 2017, o presidente Michel Temer (MDB) modificou algumas regras e, na prática, reduziu o tempo de cumprimento de pena pelos condenados. A medida gerou críticas da Transparência Internacional e da força-tarefa da operação “lava jato”.
No parecer, Bulhões afirma que o decreto presidencial de indulto foi editado com estrita obediência à natureza e à finalidade do instituto, sem se poder cogitar de violação dos princípios da legalidade, razoabilidade e isonomia.
“Estando o decreto de indulto e comutação de penas questionado em absoluta conformidade com a Constituição e a legislação federal pertinente, não pode o Poder Judiciário se substituir ao chefe do Poder Executivo para rever os critérios subjetivos e objetivos adotados para a concessão de indulto ou de comutação de penas aos casos por ele especificados no exercício de sua competência privativa e discricionária. Fazer-se o contrário, como ocorre no caso concreto ora examinado, é que significa a violação do dogma da separação dos poderes”, afirma.
Segundo o jurista, a orientação pacífica do STF é no sentido de que a concessão do indulto está inserida no exercício do amplo poder discricionário do presidente da República, limitado apenas à vedação prevista no inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal. O dispositivo proíbe o perdão de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos.
“Longe de violar qualquer norma constitucional ou infraconstitucional ou qualquer princípio, o decreto presidencial em comento consubstancia medida que se insere no âmbito da recomendação contida em vários tratados e convenções internacionais de direitos humanos e em decisões da Suprema Corte sobre a necessidade de, se não resolver, pelo menos mitigar o gravíssimo quadro prisional brasileiro, reconhecido internacionalmente como um dos piores do mundo e declarado pelo STF como “estado de coisas inconstitucional” diante da impossibilidade de fazer observar direitos fundamentais mínimos da imensa população carcerária brasileira”, destaca Bulhões.
Na avaliação do advogado, o presidente da República está cumprindo o seu dever de contribuir para a racionalização do sistema e para a “mitigação de um quadro verdadeiramente inaceitável de violação de direitos e garantias fundamentais”.
“Não parece razoável imaginar que, diante de tal quadro reconhecido e proclamado pela Suprema Corte brasileira no tocante à falência total do sistema penitenciário nacional que se transformou em “masmorra medieval” e em perigosíssimo ambiente criminógeno, se possa qualificar o decreto de indulto sub examine como inconstitucional, por desvio de finalidade, por violação do princípio da separação de Poderes e por afronta ao princípio da vedação da proteção insuficiente”, defende.
Poder limitado
Em março, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, decidiu liberar alguns pontos do decreto de indulto natalino.
“O decreto de indulto não pode ser incoerente com os princípios constitucionais nem com a política criminal desenhada pelo legislador. A prerrogativa do presidente da República de perdoar penas não é, e nem poderia ser, um poder ilimitado. Especialmente quando exercida de maneira genérica e não para casos individuais”, afirmou o ministro Barroso.
Parte do decreto de Temer foi suspensa ainda no ano passado por decisão da então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República.
Impulso à impunidade
Para a PGR, o decreto impugnado afronta a política criminal, favorecendo a impunidade ao dispensar “do cumprimento da sentença judicial justamente os condenados por crimes que apresentam um alto grau de dano social, com consequências morais e sociais inestimáveis, como é o caso dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e outros correlatos”.
Segundo a Procuradoria, o texto constitucional não admite possa o indulto ser utilizado “como meio de abrandar ou anular o dever de reparar o dano causado pelo crime ou de exonerar-se das penas patrimoniais sentenciados pelo Juízo”, não podendo, ademais, o referido instituto servir para atingir penas alternativas, mas apenas penas corporais relativas à prisão, porquanto, em tese, aquelas não despertariam clamores humanitários.
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ADI 5.874
Gabriela Coelho é repórter da revista Consultor Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2018.
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