Quem pensa que o tráfico de pessoas é um fenômeno que repousa no passado, desconhece uma realidade, que parece invisível, mas a cada dia, torna-se mais presente e próxima de nós. Todavia, a verdade é que o mesmo fenômeno toma parte do presente sob outras formas modernas de Tráfico de Pessoas (TP). Não mais voltado principalmente para a população negra e indígena, como foi no Brasil. Na atualidade, todos os países convivem com esse tráfico, seja para venda ou para compra de seres humanos. Esse tipo de perversidade para com a humanidade não é uma prática reservada ao mundo pobre ou em desenvolvimento, mas é um fenômeno global, e, como sempre, regido pela lógica de mercado nos moldes atuais.
Diferentes são as modalidades que assumem o tráfico de pessoas no Brasil, na América Latina e em outros países do mundo. Estas vão desde o tráfico de mulheres e meninas para a indústria do sexo, de crianças e adolescentes, de trabalho escravo, adoção ilegal e tráfico de órgãos e tecidos, tráfico de travestis e transexuais.
No universo acadêmico, nas universidades e em seus centros de pesquisa, pouca atenção tem sido prestada, tanto no lado da produção de pesquisa tanto no lado de propostas de intervenção social. De outro lado, esta terrível realidade, que fere os mais essenciais direitos humanos, é um tema bastante afastado dos imaginários sociais ou das vivências da sociedade. Assim, além de políticas que possam enfrentar as questões suscitadas pelo tráfico de pessoas, se faz necessário a produção de obras que discutam o problema e que o aproxime tanto da sociedade e suas organizações quanto do mundo da pesquisa acadêmica.
O livro das organizadoras Priscila Siqueira e Maria Quinteiro recolhe uma série de contribuições que exploram e discutem estudos de caso e reflexões teóricas. Os estudos de casos, como "A Experiência do Centro de Apoio ao Migrante no Atendimento e o Contexto da Feminização das Migrações", de Marina Novaes, destacam os diferentes motivos pelos quais o migrante feminino inicia a dolorosa empreitada de ir a outro país. Os motivos, para a autora, são variados: o argumento de um intercâmbio cultural, propostas de trabalho, reunião familiar e desejo de vivenciar o "novo".
Maria Helena Morra nos apresenta outro lúcido texto, "Tráfico de Pessoas: Gente Vendendo Gente - Um desafio para os Direitos Humanos". Nele a autora sustenta que falar do tema direitos humanos com o olhar focado no desafio do tráfico de pessoas, convoca a um comprometimento e pode trazer uma importante contribuição para a visibilidade do tráfico de pessoas e para a reinserção social das suas vítimas. Para autora, a mudança só será fértil quando descobrirmos fissuras nas dominações, nas opressões de um sistema econômico, político e cultural que fere a dignidade humana.
Finalmente, o trabalho de Priscila Siqueira, "Tráfico de Pessoas: Um Fenômeno de Raízes Históricas e Práticas Modernas", pergunta de maneira dramática como pode ter chegado à situação em que há "gente vendendo gente". A autora tenta responder à pergunta de como isso pode ter acontecido, partindo da premissa de que a escravidão negra acabou no Brasil no século XIX. Baseando-se em informações da ONU a autora conclui que, nunca antes na história da humanidade houve tanta gente vivendo em situação de escravos como acontece hoje em nosso mundo globalizado. Isso leva a autora a sentenciar que não há "nação inocente": ou ela compra ou vende pessoas como se fossem mercadorias. Terrível mundo globalizado, sem dúvida.
O livro apresenta assim um sistemático debate sobre o tráfico de pessoas, produto de uma reflexão acurada de um grupo de pesquisadores que se dedicam à reflexão teórica e a intervenção prática num campo dos direitos humanos em que poucos se aventuram.
Rafael Duarte Villa
Coordenador Científico do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP. Professor de ciência política do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.
LINK DO LIVRO: http://www.livrariaideiaseletras.com.br/trafico-de-pessoas.html
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