Horas depois que um atirador solitário matou 26 pessoas e feriu outras 20 em uma igreja do Texas, no domingo (5/11), o procurador-geral do estado foi à televisão anunciar que as congregações religiosas podem se armar para proteger seus fiéis.
Uma nova lei estadual, que entrou em vigor em setembro, mas ainda era desconhecida, autoriza as igrejas a contratar segurança armada. Opcionalmente, igrejas que não podem ou não querem contratar uma empresa de segurança, podem montar sua própria equipe de “guardas voluntários armados”.
Em outras palavras, as igrejas texanas podem, agora, montar suas próprias milícias armadas, noticiou nesta terça-feira (7/11) o jornal The Texas Tribune. A divulgação da nova lei visa, segundo seus promotores, impedir que novos massacres ocorram nas igrejas do Texas.
O deputado estadual Matt Rinaldi, do Partido Republicano, foi o autor do projeto de lei aprovado pela Assembleia Legislativa do Texas. Ele disse ao jornal que a legislação existente até setembro permitia aos fiéis com licenças portar armas nas igrejas, mas não permitia que eles exercessem funções de segurança.
Agora podem montar suas próprias milícias armadas, se pagarem uma taxa de US$ 400 para obter uma “Carta de Autorização” do governo do estado.
Na pequena Sutherland Springs, uma cidade na área rural do Texas com cerca de 600 habitantes, todos se conhecem e ninguém esperava que um de seus filhos, Devin Kelley, iria invadir a Primeira Igreja Batista e matar 4% de sua população com algumas rajadas de rifle de assalto.
Dizem os opositores da lei que, se a igreja tivesse montado sua própria equipe de guardas armados voluntários antes do massacre, Kelley, um ex-militar da aeronáutica, poderia estar entre os milicianos autorizados a entrar na igreja com armas.
De uma maneira geral, a polícia também não gosta da ideia de armar cidadãos destreinados para fazer segurança. Alguns policiais disseram à organização Texas Gun Sense, que defende um controle mais rígido da compra e do porte de arma, que com tanta gente armada dentro das igrejas, será difícil determinar responsabilidades em um tiroteio.
Segunda Emenda
Adquirir e portar armas é um direito dos americanos (com exclusões), previsto na Segunda Emenda da Constituição. Além dos EUA, o direito de possuir e portar armas também está nas constituições da Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua, México e Libéria.
Nos EUA, são excluídos desse direito qualquer pessoa condenada por crime, fugitivos da Justiça, pessoas “mentalmente perigosas”, dependentes de drogas, pessoas que renunciaram à cidadania, condenados por delitos puníveis com mais de um ano de prisão e ex-militares expulsos das forças armadas (o caso de Devin Kelley).
Mas o número de “fiéis” à Segunda Emenda é maior que o número de fiéis da maioria das igrejas no país. A National Rifle Association (NRA), que existe para defender a Segunda Emenda, bem como as fabricantes de armas, tem mais de 5 milhões de associados.
Com o tempo, a propaganda da NRA sedimentou no país a ideia de que possuir e portar armas é um “direito sacrossanto” dos americanos. Em sua campanha eleitoral, o presidente Donald Trump repetia com frequência a seus eleitores: “Nós amamos a Segunda Emenda, certo?”
Não há movimento digno de nota no país em prol da extinção da Segunda Emenda. Seria uma perda de tempo cuidar disso. Há movimentos em favor de aprovações de leis mais rigorosas para regulamentar a compra e porte de armas.
Mas essa também é uma luta ingrata. Muitos americanos não só querem possuir e portar armas, como querem colecioná-las. Um dos massacres mais recentes, o de Las Vegas, em que 59 pessoas foram mortas durante um show, foi feito por um colecionador de armas. O da escola primária de Newtown, em que 20 crianças e adultos foram mortos, foi feito pelo filho de uma colecionadora.
Os políticos, especialmente os do Partido Republicano, também se recusam a regulamentar a compra e o uso de armas. As campanhas eleitorais de muitos políticos republicanos – e também de alguns democratas – são financiadas pela NRA, que tem uma verba de US$ 250 milhões por ano para influenciar políticos.
A ideia de armar os fiéis das igrejas é originalmente da NRA. Após a tragédia da escola primária de Newtown, a NRA sugeriu armar os professores para impedir novos massacres. Após o massacre na igreja do Texas, a ideia de armar os fiéis ressurgiu, com força emprestada pelo presidente Trump. Ele declarou que se não houvessem dois fiéis armados, em vez de 26, centenas teriam morrido — o que seria impossível, porque não havia tanta gente na igreja.
Depois do massacre de Las Vegas, repórteres que cobrem a Casa Branca perguntaram ao presidente Trump se estava na hora de discutir uma regulamentação mais rígida do porte de armas. O presidente respondeu que não era hora para se discutir isso. E nunca voltou ao assunto.
Um levantamento do Los Angeles Times, mostra que quatro episódios de assassinato em massa ocorreram em 2017, dois em 2016, cinco em 2015, dois em 2014, dois em 2013, seis em 2012, dois em 2011, dois em 2010 e diversos outros nos anos anteriores. Nenhum deles foi suficientemente convincente para levar o Congresso a tomar qualquer iniciativa para contê-los.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 9 de novembro de 2017.
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