A condenação por tráfico de drogas não pode ser baseada apenas em indícios ou presunções resultantes do simples fato de o réu consumir substâncias ilícitas. Assim entendeu a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao reformar decisão de primeiro grau e substituir o crime de tráfico imputado a um homem pela tipificação de usuário.
"A jurisprudência, sensível à melhor orientação que ora se afirma, tem reconhecido, com persistência e sem oscilações significativas, que, para a condenação pelo crime de tráfico 'não bastam indícios ou presunções, como no caso de simples uso de substância entorpecente, mas demonstração de que o acusado se enquadra na hipótese do art. 33, da Lei nº. 11.343/06 (à época ainda art. 12, da Lei nº 6.368/76)' (RT 580/335)", explicou o relator do caso, desembargador Marcelo Gordo.
O homem foi preso depois que seus vizinhos chamaram a Polícia Militar para averiguar se ele estava bem, pois o som em seu apartamento estava alto havia mais de três dias e ele não atendia aos chamados. Ao entrarem no apartamento, os agentes encontraram o réu desacordado.
Junto com ele foram encontrados 21 vasos e três sacos plásticos com skank (variedade de maconha) e R$ 2,7 mil. O material apreendido pesava, ao todo, 583,7 gramas. Aos policiais, o réu afirmou que fumou maconha e crack, além de ter ingerido sedativos, e que tudo o que ali estava era para consumo próprio.
Consta nos autos que os policiais entraram no apartamento do homem pela sacada e, segundo o réu, o acordaram com um soco no rosto e um pontapé. Questionados sobre os fatos, os agentes disseram que “conseguiram acordar o acusado ‘com muito custo’”.
Sobre o crime de tráfico, os policiais se contradisseram no depoimento depois de afirmarem que o réu tinha confessado vender drogas. Um dos agentes, após ser questionado sobre esse fato, disse que seu parceiro tinha ouvido o homem admitir o crime, mas, depois que o defensor do acusado repetiu a questão, começou a falar sobre como o apartamento onde entraram estava sujo e bagunçado.
O réu foi considerado traficante pela primeira instância e recorreu. Ao TJ-SP, alegou que a sentença foi proferida sem que prova pericial fosse analisada. Ressaltou que o total apresentado na denúncia (mais de 500 gramas) contemplava também partes das plantas que não são consumidas — por exemplo, o caule.
A defesa do réu, feita por Alexandre de Oliveira Ribeiro Filho, do escritório Vilardi e Advogados Associados, destacou que o juízo de primeira instância não analisou todas as teses defensivas e proferiu condenação amparado em prova ilícita (a confissão de traficância). Também afirmou que a prisão foi ilegal, pois a entrada dos policiais no apartamento buscou socorrer o agora acusado.
Pediu ainda a devolução dos R$ 2,7 mil, apreendidos sob suspeita de terem sido recebidos pela venda de drogas, mas que a defesa comprovou terem sido sacados no caixa eletrônico. A Procuradoria-Geral de Justiça pediu pela manutenção do crime de tráfico, mas o relator do caso entendeu que o réu é usuário, não traficante.
O relator destacou que a decisão de primeiro grau partiu da “conclusão mais severa”, mas que foi tomada sem um contexto de fatos ou provas que confirmassem o crime. “Se é certo que a condição de usuário, por si só, não exclui a figura do mercador, por outro, mera desconfiança, ou mesmo afirmação em momento de desatino, não podem servir de suporte a uma condenação tão rigorosa como aquela reservada ao infrator do art. 33 da Lei de regência.”
Para o desembargador, os objetos e plantas descobertos também dão a entender que o réu é usuário, e não traficante de drogas. Ele destacou que o fato de o homem guardar a maconha em grandes porções, e não individualizadas, estar em péssimas condições físicas e morar em um local “sujo e bagunçado” comprovam a tese de uso das substâncias ilícitas.
Citou ainda que a balança apresentada como prova de tráfico, por não funcionar, derruba a tese. “A condenação criminal, especialmente por infração de tal gravidade como essa de que aqui se cuida, por tudo aquilo de gravame que acarreta para quem a suporta, não pode vir fundada em insuficientes suspeitas, em mal prestigiados indícios.”
Sobre o total de drogas encontradas com o réu, o relator concordou com a defesa e disse que a quantidade de maconha apontada na denúncia é referente à quantidade total das plantas encontradas. “Não havendo referências quando à quantidade que poderia destinar-se ao consumo, nem tampouco à difusão, se é que própria a tanto”, ressaltou.
“Não há nos autos prova cabal, segura e induvidosa que venha a sugerir que se trata de um mercador do produto proibido, a impor a desclassificação almejada e que se situa na incontrovérsia estabelecida”, complementou o desembargador.
Brenno Grillo é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 20 de dezembro de 2016.
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