Estudos indicam que 90% das comunicações humanas são não verbais. A linguagem corporal ajuda, por exemplo, a ver quem se saiu melhor em um debate presidencial, se o som da TV for desligado. Basta observar quem sorri, quem mantém a postura, quem brilha, em oposição a quem se inquieta, quem deixa os ombros caírem, quem se irrita ou franze a testa.
A ex-promotora federal em Washington, D.C., Allison Leotta, escritora de cinco livros de sucesso, escreveu para o Jornal da ABA(American Bar Association) que, da mesma forma, a linguagem corporal (incluindo expressões faciais, atitudes, comportamento) dos advogados e promotores que atuam no Tribunal do Júri é tão crucial quanto a eloquência verbal.
“É uma pena que as faculdades de Direito não incluam a linguagem corporal no currículo. Por isso, muitos advogados nunca usam esse recurso durante um julgamento. Já vi muitos advogados e promotores totalmente crus nessa ‘disciplina’, o que me deu uma chance de perceber o que estava errado e trabalhar no meu próprio desempenho.”
No artigo que escreveu para o Jornal da ABA, ela conta o que aprendeu em seus 12 anos de promotora, com ativa atuação no Tribunal do Júri.
Cada sala de julgamento é um palco
Os jurados, no Tribunal do Júri, observam o tempo todo o desempenho do advogado e do promotor. Ambos são personagens que interpretam um papel, mesmo quando não estão dizendo nada. “Essa audiência [o corpo de jurados] observa você desde o momento que tomam seu assento, antes mesmo de você dizer qualquer coisa. Afinal, eles não têm nada para fazer. Não podem checar seus smartphones, não podem conversar com os colegas e nem se levantar do banco. Seu único entretenimento é você”, ela diz.
Assim, os jurados vão notar tudo o que as pessoas no “palco” (advogado, promotor, escrivão, réu etc.) fazem e começam a tirar algumas conclusões sobre elas. Geralmente, esses personagens acham que, se mantiverem uma expressão neutra, será o suficiente. Mas é preciso tomar cuidado com isso. A expressão neutra de uma pessoa pode sugerir mau humor, irritação, preocupação etc.
Muitas vezes, é preciso um certo treino para se chegar a uma expressão facial apropriada — uma coisa que se pode fazer, por exemplo, diante de um espelho. A expressão apropriada, no caso, é a da personagem digna de confiança, tranquila e amigável. “Se os jurados acharem que você é uma pessoa desagradável, terão dificuldades em confiar em você”, diz Allison Leotta.
Sorrisos dizem muita coisa
Advogados e promotores bem treinados mantêm, deliberadamente, um pequeno sorriso no rosto. Mais uma vez, o espelho será útil para treinamento. Sorrisos podem ter vários graus. Um sorriso mínimo, sutil, que expressa calma, tranquilidade; um sorriso um pouco mais aberto, que expressa aprovação; um sorriso ainda um pouco mais aberto, que expressa uma reação — talvez diante de um episódio negativo; ou um sorriso mais largo, que pode ser uma expressão de satisfação ou de amabilidade.
“Nenhum advogado quer parecer deselegante ou desajeitado. Por isso, conhecer as próprias expressões faciais é necessário. Uma expressão facial amável, na medida certa, transpira mais confiança, muitas vezes, do que a expressão natural da face de uma pessoa”, diz a ex-promotora.
Ela lembra o slogan de um anúncio comercial de desodorante dos anos 1980: “Nunca deixe eles verem você suar”. Ela explica: “Se sua testemunha entra em colapso na inquirição cruzada, cure a preocupação com o sorriso sutil praticado em frente do espelho. Se uma testemunha inesperada choca você, use seu sorriso conformado”.
Ela continua: “Se você impulsiona seu corpo para trás na cadeira, um jurado vai pensar o que você pensou: que seu caso, de repente, se complicou. Mantenha o sorriso da serenidade e confie que colocará tudo de volta nos trilhos, de acordo com seu plano-mestre”.
Para a ex-promotora, é surpreendente como a linguagem corporal pode dizer tanta coisa, sem que você emita uma única palavra. Uma espinha ereta e uma boa postura expressam confiança. Contato visual também ajuda a estabelecer uma relação de confiança e credibilidade. A mão sobre a boca ao se falar, sem mais nem menos, sugere que se quer esconder uma mentira.
Encha-os de amabilidades
Em muitos roteiros de julgamentos em filmes e em programas televisivos americanos, os advogados e promotores são agressivos. “Destroem” seus oponentes e testemunhas sem piedade. Ironizam os argumentos dos oponentes com suas inteligências brilhantes. Isso é coisa de cinema, que precisa de ação.
Na vida real, é mais produtivo ser amável com todo mundo na sala de julgamento. “A amabilidade faz deste mundo um lugar melhor e de você uma pessoa mais feliz. Mas, se isso não for o suficiente para convencê-lo, considere que a amabilidade ajuda advogados e promotores a se saírem bem em julgamentos”, ela diz.
Há muitas razões para ser amável com todos na sala de julgamento. Uma delas é que os jurados a observam. É preciso ser gentil com o escrivão e, especialmente, com a pessoa encarregada de cuidar dos jurados todos os dias. Essa é a pessoa que cria o laço mais forte com os jurados. Uma gentileza — ou falta de gentileza — com ela afeta diretamente os jurados.
“Seja amável com seu oponente, mesmo que você pense que ele(a) é a pior pessoa do mundo. Em seu fervor para representar bem seu papel, é muito fácil demonizar seu oponente em sua cabeça. Mas seu vilão pessoal pode ser o personagem favorito dos jurados no ‘palco’ do tribunal.”
A ex-promotora conta que viu, em um julgamento, o advogado de defesa se queixar que o promotor, que era cego, estava protestando seguidamente só com a intenção de se aproximar do juiz, conduzido por seu cão-guia, a fim de ganhar a simpatia dos jurados. “Se você for grosseiro com qualquer um no tribunal, os jurados vão assumir que você é uma pessoa grosseira em geral”, diz.
Para ela, é necessário observar o júri o tempo todo. “Se um jurado tossir, sugira ao juiz que mande alguém buscar um copo de água para ela. Se espirrar, diga um ‘Deus te ajude’ ou algo semelhante.”
Isso aconteceu no julgamento de uma ação movida pelo ator Clint Eastwood contra um jornal tabloide. Durante o testemunho do ator, uma senhora idosa espirrou. Eastwood parou de falar, olhou nos olhos da senhora e disse: “Deus te ajude, senhora”. Quando ela sorriu, agradecendo, o advogado do tabloide sentiu que seu caso estava perdido, como ele mesmo contou mais tarde.
Há advogados e promotores que levam para o julgamento lenços de papel, água e copos de plástico. Se durante uma inquirição cruzada a frágil testemunha começa a chorar, eles são os primeiros a lhe oferecer um lenço de papel ou um copo de água. Isso abranda o lado duro do profissional perante os jurados, durante uma inquirição cruzada um tanto agressiva. Pequenos gestos geram grandes efeitos.
Encontre o tom de voz apropriado
A ex-promotora conta que teve dificuldades para encontrar um tom de voz apropriado para usar em julgamentos. Às vezes, ela podia soar jovem demais, outras, acadêmica demais, e, em outras, estridente demais. “Você tem de encontrar um tom de voz que o ajude a parecer inteligente, mas não enfadonho; caloroso, mas não bajulador; veemente, mas ao mesmo tempo tranquilo.”
Com o tempo — e certa casualidade — ela encontrou o ponto ideal. Descobriu que deveria falar com os jurados, como ela falava com a sogra. “Ela é uma mulher inteligente e compreensiva, que sempre admirei e que despertou o meu melhor lado. Pense em alguém em sua vida que possa exercer esse papel e imagine essa pessoa como o jurado (ou a jurada) ideal.”
O escritor Stephen King revelou um dia que escreve seus livros para um “leitor ideal”. Assim, ela recomenda que, ao fazer as alegações finais, o advogado (ou promotor) fale para um “jurado ideal”, uma pessoa que ele respeita, gosta e que desperta nele seu melhor lado. “Pratique com essa pessoa. As observações de alguém que não é advogado podem abrir seus olhos.”
É claro que se espera que o Tribunal do Júri não se torne uma batalha de personalidades. Espera-se que os jurados ouçam os méritos do caso, examinem os fatos, as provas, os testemunhos, sem tendenciosidade. “Porém, os jurados irão filtrar os fatos através das emoções que você despertou neles”, ela afirma.
A poeta e escritora Maya Angelou disse uma vez: “As pessoas se esquecem do que você falou, mas nunca esquecem de como você as fez se sentir”, lembra Allison Leotta. “Isso se aplica a sua atuação no Tribunal do Júri. Se você levar em consideração como suas palavras e linguagem corporal podem fazer os jurados se sentirem, você irá querer que eles se sintam muito bem, para que absorvam melhor seus argumentos jurídicos”, ela escreve.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2016.
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