Por Milton Corrêa da Costa
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No Rio de Janeiro, na sexta-feira (01/06), um oficial da PM, de elevada patente, subcomandante de um batalhão na capital, após discutir com o dono de uma padaria e alegando ter sido agredido -as circunstâncias do fato serão apuradas em inquérito policial- sacou de sua arma e matou o opositor. Provavelmente, caso não tivesse uma arma ao seu alcance, talvez a tragédia não ocorresse. Resultado: acabou com a vida de um ser humano, tornou-se um homicida e desgraçou a sua própria vida.
Mais uma tragédia ocorrida -nos quatro cantos do mundo acontecem a todo instante- pelo uso impensado da arma de fogo. É a cultura da arma que destrói vidas humanas não só nas guerras e no terrorismo, mas também na violência urbana e na violência doméstica. É preciso entender que a arma é muito mais um instrumento indutor de violência do que uma ferramenta de defesa pessoal. Quem usa arma, à exceção dos que a portam pelo exercício justificado da função, é assassino em potencial e no Brasil há milhares deles, bandidos ou não. Ressalte-se, a bem da verdade, que voteicontra o desarmamento à época do plebiscito. Hoje, revi meu posicionamento. Cheguei à conclusão que arma é para ser usada por quem necessita exercer função específica de defesa nacional, segurança pública ou segurança privada. Ninguém mais.
Segundo relatório da ONG Viva Rio, anunciado em outubro de 2010, das 15, 9 milhões de armas em circulação no país, 14 milhões (aproximadamente 85%) estão em poder da sociedade civil, nas mãos de pessoas que não possuem vínculo direto com atividades legais de proteção. Do total de armas em circulação, 7,6 milhões estão em situação irregular. Ou seja, 47,6% das armas são ilegais. O comércio e a indústria bélica brasileira movimentam cerca de R$ 1 bilhão por ano. Ressalte-se ainda que entre 1998 e 2008, segundo dados do Mapa da Violência, divulgado em fevereiro de 2011, a taxa de homicídios ficou em 26,4 por cada grupo de 100 mil habitantes no país. A Organização Mundial de Saúde considera taxas acima de 10 como epidêmicas. Num período de 30anos mais de um milhão de pessoas foram vítimas de homicídio no Brasil.
Dados do Ministério da Saúde apontam ainda que 35.233 pessoas morreram, em 2010, assassinadas por armas de fogo. Desde 2004, com a intensificação da Campanha do Desarmamento, o número vem caindo. Entre 2004 e 2010, os homicídios caíram 11%. No mesmo período, a Campanha do Desarmamento, criada a partir do Estatuto do Desarmamento, recolheu, em todo o país, quase 1 milhão de armas. Nos primeiros sete meses de 2011, foram entregues 35 mil armas. Ou seja, quanto menos armas em circulação menor o número de homicídios. Registre-se quea CPI das Armas da Assembleia Legislativa do ,Rio (ALERJ), em relatório divulgado em dezembro do ano passado, concluiu que 69,85% do armamento apreendido no Rio passam à ilegalidade no próprio estado, 15,80% vêm de outros estados, e 14,09% chegam pelas rotas internacionais. Com relação à munição, 75% do que é apreendido é oriundo do prório poder público. Convém lembrar também que cresceu cerca de 300%, entre 2009 e 2010, o roubo de cargas de dinamite de companhias de mineração, artefatos constantemente usados em assaltos com explosão de caixas eletrônicos ,em estabelecimentos bancários.
A boa e sensata medida provém agora da Venezuela. Recentemente, o polêmico presidente Hugo Chávez, que paradoxalmente apoia o Irã, um país criticado pela ONU face à suposta corrida armamentista nuclear, acaba de aprovar uma lei que proíbe civis de comprarem armas de fogo e munição. Não haverá também a emissão de novos portes de armas. A medida restritiva tem por objetivo frear a violência nas ruas daquele país vizinho onde um homicídio é registrado a cada duas horas.Na Venezuela, em 2010, de cada dez vítimas fatais nove morreram à bala. OObservatório Venezuelano da Violência (OVV) calcula que 136 mil pessoas foram assassinadaspor criminosos deste 1999 naquele país. Ressalte-se que na violência da guerra dos cartéis do narcotráfico, no México, considerado hoje um narcoestado, mais de 100 jornalistas, entre milhares de civis, foram mortos à bala nos últimos anos.
Conclui-se, pois, que a cultura nefasta do uso da arma de fogo é nocivaaos seres humanos ordeiros. Não se trata de posicionamento covarde para desarmar a sociedade e beneficiar o banditismo. Muitos que tiveram reação de arma em punho a uma injusta agressão perderam a vida pelo heroísmo. Quem imagina estar protegido por uma arma de fogo tem uma falsa ilusão de invulnerabilidade. Em verdade tem em mãos algo muito mais propício à sua própria desgraça do que à defesa de sua integridade ou a de seus familiares.
Na próxima esquina, no estresse do dia a dia do trânsito, ao ser fechado pelo motorista de um outro veículo, caso esteja armado, você poderá se transformar, em fração de segundos, num assassino em potencial. Depois não adiantará arrepender-se. Pense nisso.Deixe a arma para quem precisa em função do serviço, da função legal que exerce e da capacidade técnica para usá-la e sempre nos limites da lei. Armas não agregam valores sociais positivos. São objeto de destruição humana que devem ser combatidas e retiradas de circulação.
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Milton Corrêa da Costa é coronel da reserva da PM do Rio de Janeiro
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