O crime de associação para o tráfico de drogas não pode ser considerado hediondo. Isso porque o sistema jurídico brasileiro, nesse assunto, obedece ao princípio taxativo. Ou seja: só podem ser considerados hediondos os crimes explicitamente citados e descritos na Lei 8.072/1990: homicídio, latrocínio, extorsão qualificada por morte, extorsão mediante sequestro, estupro, epidemia qualificada por morte e adulteração de medicamento. O entendimento, unânime, é da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
A interpretação veio em julgamento de recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio pedindo que o crime de associação para o tráfico seja considerado hediondo. Com isso, o MP pede que a sentença dada pela Vara de Execuções Penais seja reformada e o cálculo para progressão de regime, mudado.
De acordo com a lei, os condenados por crimes hediondos só podem progredir de regime depois do cumprimento de dois quintos da pena, quando réus primários. Quando reincidentes, o cálculo a ser feito é de três quintos da pena.
Para que isso aconteça, a Procuradoria-Geral do Rio afirmava que a sentença não observou o que diz a Lei 11.343/2006, a chamada Nova Lei de Drogas. Essa lei, nos artigos 33, 34 e 37 descreve quais são os crimes ligados ao tráfico de drogas que são hediondos. Entre eles, está o de auxiliar, de qualquer maneira, a venda ou distribuição de entorpecentes.
Mas o relator do recurso no TJ do Rio, desembargador Paulo Rangel, não aceitou os argumentos do MP. Disse que a PGE aplica uma “interpretação extensiva para prejudicar o agravante [o réu], o que, por óbvio, viola o princípio da legalidade”.
Três modelos
Ao apresentar seus argumentos, o desembargador Rangel explica que existem três modelos judiciais para a configuração de crimes hediondos. O primeiro é o sistema judicial, em que o juiz analisa o caso concreto e determina se o delito é ou não hediondo. O segundo é o misto, em que a lei apresenta um rol exemplificativo, e o juiz considera aplicá-los a outros casos. O terceiro, vigente no Brasil, é o legal: a lei enumera um “rol taxativo” de crimes hediondos, e estabelece uma classificação. O que está descrito na lei, é hediondo. O que não está, não é.
Rangel, então, explica que a Constituição Federal elencou como crimes hediondos tortura, tráfico de drogas e terrorismo. E aproveita para criticar o sistema brasileiro. Cita o professor Alberto Silva Franco, que ensina: “o texto legal pecou, antes de mais nada, por sua indefinição a respeito da locução ‘crime hediondo’(...) Em vez de fornecer uma noção, tanto quanto explícita, do que entendia ser a hediondez do crime, o legislador preferiu adotar um sistema bem mais simples, ou seja, o de etiquetar, com a expressão ‘hediondo’, tipos já descritos no Código Penal ou em leis especiais”.
Na opinião do professor citado no acórdão do TJ do Rio, crime hediondo deveria ser apenas o que se mostre “repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, abjeto, horroroso, horrível”. Sendo assim, Rangel vota pelo não provimento do recurso e pela manutenção da sentença da Vara de Execuções Penais.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 31 de dezembro de 2011
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