O Brasil tem mais de 1.100 cursos de graduação em Direito, que vão do mais alto nível de excelência, nada devendo a congêneres europeus ou norte-americanos, até cursos isolados de distantes cidades interioranas, cujos professores nem sempre têm o esperado preparo intelectual.
Milhares de pessoas se formam a cada ano, mas somente 10% alcança sucesso nos exame da OAB, cuja exigência o STF confirmou nesta semana. Uns atribuem a culpa às Faculdades de Direito particulares, cujo objetivo seria apenas o lucro e não a boa formação dos acadêmicos. Outros, aos estudantes, que entrariam no curso trazendo uma formação deficiente, aficionados da internet sem vocabulário e cultura geral.
Como tudo na vida, é possível adotarem-se duas posições: a) criticar tudo e todos, sem indicar qualquer solução; b) procurar ver, reconhecer e apontar as boas iniciativas, tentando melhorar o sistema.
Como sempre, fico com a segunda hipótese e por isso vou apontar uma iniciativa altamente positiva. Refiro-me ao “Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)”, experiência que vivenciei nos dias 25 a 27 passados, na PUC-PR, onde sou professor.
O PIBIC é um programa que visa ao desenvolvimento do pensamento científico e iniciação à pesquisa entre os estudantes de graduação do ensino superior. Ele não é exclusivo do Direito, ao contrário, alcança as mais diversas áreas, como a medicina, hotelaria ou educação física.
Entre as metas do PIBIC destacam-se a de despertar vocações para a pesquisa, incentivando novos talentos, e estimular as instituições de ensino a desenvolver políticas de iniciação científica, integrando a graduação à pós-graduação. Experientes professores unem-se a jovens estudantes, orientando-os, transmitindo-lhes a experiência nas atividades de pesquisa, preparando-os para, mais tarde, participarem de programa de pós-graduação.
O PIBIC é vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma agência do Ministério da Ciência e Tecnologia, tendo sido criado em 6 de julho de 2006. Suas regras podem ser consultadas no site do CNPq.
Para dele poder participar, o primeiro passo é o estabelecimento de ensino manifestar seu interesse. Nesta hipótese, deverá assumir compromissos, como, v.g., receber estudantes de outras instituições, professores ou pesquisadores aposentados, professores ou pesquisadores visitantes, nomear um Coordenador Institucional de Iniciação Científica e um Comitê Institucional responsável pelo gerenciamento.
Para participar do Programa é necessário que um professor, que deve ser doutor ou ter perfil equivalente (mestre), apresente um Projeto de Pesquisa e um Plano de Trabalho para o aluno. Por exemplo, um professor de Direito Ambiental pode propor que se pesquisem os julgamentos de questões ambientais nos anos 1960 ou os reflexos econômicos das decisões judiciais em matéria ambiental.
Se aprovado o tema proposto, os alunos são convocados para participar e fazem a escolha de acordo com as suas preferências. Será, então feita a seleção, após o que os aprovados iniciam a sua pesquisa pelo prazo de um ano. Neste momento, tenho três alunos pesquisando, sob diferentes aspectos, as ações penais originárias nos tribunais brasileiros. No período estabelecido (12 meses) o professor apontará os caminhos, em sucessivas reuniões e troca de mensagens, acompanhando de perto os resultados.
Marcada a data da apresentação, os alunos apresentam sua pesquisa sob a forma de pôsteres, resumos e apresentações orais. Os pôsteres têm tamanho e forma próprios, devendo transmitir visualmente o que se pretende com a pesquisa. Por exemplo, uma investigação sobre o Poder Judiciário no período do regime militar deve conter frases objetivas informativas, fotos e notícias de jornais da época. Os pôsteres serão avaliados por professores, metade da própria instituição e metade de fora, os quais atribuirão notas, tendo em conta critérios objetivos, como clareza e apresentação.
Em um momento seguinte, individualmente, os alunos apresentarão os trabalhos publicamente, perante uma banca composta de dois professores, um da casa e outro de fora. Por dez minutos exporão a pesquisa feita e responderão perguntas dos examinadores. A instituição de ensino poderá premiar os melhores na avaliação.
Mas, perguntará o cético, isto trará alguma vantagem para o aprimoramento do curso, para a Universidade, para o estudante de Direito como aluno e como profissional no futuro? A resposta é sim, para todos.
Ganham os alunos, porque aprendem a pesquisar, avaliam seus conhecimentos, aprimoram a escrita, enfrentam uma defesa oral (defenderão o TCC com calma no fim do curso). Ganha a Universidade, porque promove a investigação científica, aprimora seus professores, estimula e prepara seus discentes.
E não é só isto. O evento, cuja organização é sem dúvida trabalhosa, representa a vitória do esforço de um ano. Do estabelecimento de ensino e dos jovens, que exteriorizam no rosto a alegria de participar de uma disputa sadia. Temas de grande interesse, como o papel de agências reguladoras, relações de trabalho em um mundo globalizado, efeitos do julgamento do caso dos Yanomamis, desobediência civil, reflexo econômico da desconsideração da pessoa jurídica pelos tribunais, são expostos e defendidos ardorosamente por estudantes que, assim, crescem culturalmente e como seres humanos.
É possível afirmar, sem exagero, que esta é a maior ou, pelo menos, uma das maiores inovações feitas recentemente no ensino jurídico, merecendo, por isso, o reconhecimento da comunidade jurídica. É importante que haja adesão das Faculdades de Direito, a fim de que alcance um número cada vez maior de participantes.
Quem foi o seu idealizador? Não faço a menor ideia. Mas pode ele ter certeza de que deu e dá uma enorme contribuição para o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos no Brasil. A ele, para usar uma frase do passado quase remoto, “rendo as minhas homenagens”.
Vladimir Passos de Freitas é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR.
Revista Consultor Jurídico, 30 de outubro de 2011
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