segunda-feira, 21 de maio de 2012

No interior de MG, presos trabalham e indenizam vítimas


Sem previsão na legislação brasileira, o recebimento de salários por parte de presos que trabalham já é realidade em uma cidade do interior de Minas Gerais. Além de diminuírem a própria pena, cinco detentos de um presídio em Santa Rita do Sapucaí ganham um salário mínimo mensal, pago por empresários locais. O dinheiro, depositado em uma conta, é dividido: metade vai para a família do preso e a outra, para a vítima do crime que levou o condenado à cadeia.
A ideia surgiu depois que o idealizador do projeto, o juiz Luis Henrique Mallmannapós, constatou a vontade de alguns presos de se redimir de forma mais efetiva de seus crimes. “Percebi que essa poderia ser uma bela forma de o preso pedir perdão à vítima”, diz o juiz da Vara de Santa Rita do Sapucaí.
Os empresários toparam o projeto-piloto por seis meses, pagando aos detentos por uma jornada diária de oito horas, de segunda a sexta-feira. Mais tarde, o projeto tomou corpo, após o juiz articular, com o diretor-geral do presídio da cidade, Gilson Rafael Silva, critérios para selecionar os primeiros detentos. "A ação prioriza presos que cometeram furtos, já que assim é possível realizar a restituição financeira da vítima", explica o diretor. Um deles, no entanto, é preso por tráfico. Neste caso, metade do seu salário é repassada à Fazenda Esperança, que oferece tratamento a dependentes químicos.
Presos fazendo reforma - 18/05/2012 [Divulgação]
Assistentes sociais visitaram as famílias dos presos com bom comportamento e que manifestaram vontade de aderir ao projeto, para selecionar aqueles que tinham maior necessidade. “Na maioria das vezes, o preso era quem pagava as contas. Esse dinheiro, que vai para a família, precisa ser gasto em alimentação e pagamento de contas”, afirma o juiz. As assistentes checam mensalmente qual o destino do dinheiro recebido pela família (Na foto, presos trabalham na reforma da fachada do fórum da comarca).

Até que seja repassada às partes, em audiências de pagamento no início de cada mês, a quantia fica depositada em uma conta do Conselho da Comunidade. Nesses encontros, o juiz tem sugerido a presos e vítimas que se encontrem, com a entrega do dinheiro sendo feita pelo algoz ao ressarcido. “É um processo lento, de participação da justiça restaurativa. Nós temos que lembrar que, um dia, esse preso vai sair e que a cidade é pequena. Se eles se perdoarem, é meio caminho andado para a busca pela paz”, afirma.
Ninguém ainda aceitou a proposta nas três primeiras audiências, mas já há vítimas que cogitam a possibilidade, diz o juiz Mallmann. “Em um primeiro momento, até os presos ficaram assustados com a possibilidade, mas agora entendem o motivo. Eles entendem as razões das vítimas, têm uma atitude de respeito.”
Por ora, não houve problemas de disciplina e de evasão no projeto, diz o magistrado. Ele tem visto a experiência como positiva e acha que ela vai persistir. “Reduz um pouco a tensão dos presos. Alguns estão aprendendo uma profissão nova. Às vezes, o sujeito só sabe roubar. É preciso dar opção.”
Perspectivas
Para o juiz Mallmann, o Judiciário ainda não percebeu os instrumentos disponíveis para estimular a interação entre o criminoso e a comunidade e incentivá-lo a procurar um emprego. “Os juízes determinam uma série de punições quando o preso erra, como transferir, proibir visitas. Acho que é justo criar mecanismos que o premie quando acerta. Todo mundo precisa de motivação. A regalia, por exemplo, é um instituto pouquíssimo usado no Código Penal. O juiz pode incentivar o trabalho e concedê-la”, afirma.

Para ele, se o exemplo se ampliar e porventura virar tema de projeto de lei, deve permanecer a condição de que o preso deve aderir ao projeto, não havendo obrigatoriedade. “Tornar obrigatório é um expediente muito temerário. A reinserção é mais efetiva quando o condenado tem a opção de aderir.”
Carlos Arthur França é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 19 de maio de 2012

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