uma estratégia para a vigilância electrónica em Portugal
Nuno Caiado, director de serviços da vigilância electrónica da DGRS/MJ Portugal
Portugal acolhe este ano a conferência bianual sobre vigilância electrónica (VE), desde há 10 anos promovida pela CEP (a organização europeia para a probation - www.cep-probation.org) pela primeira vez realizada fora da Holanda. É um bom pretexto para reflectir sobre a estratégia para a VE no nosso País.
Os sistemas de VE como meio de controlo penal tornaram-se comuns em muitos países. A motivação para o seu uso liga-se a um problema típico das sociedades contemporâneas: a sobrecarga dos sistemas prisionais e a necessidade de os descomprimir. Não foram ainda criadas soluções que substituam integralmente a prisão como meio de incapacitação e de contenção criminal, apesar de as penas de execução na comunidade possuírem uma função cada vez mais relevante na gestão do controlo penal. As designadas alternativas à prisão têm a vocação de responder a faixas da criminalidade de baixo e médio risco, reservando a prisão para a criminalidade de risco elevado. A história diz-nos que o sucesso destas duas soluções penais é oscilante e limitado, dependendo de um amplo conjunto de variáveis ligadas à cientificidade dos métodos utilizados e às condições de funcionamento dos serviços de execução. Estes, por seu turno, estão dependentes do investimento público realizado.
No mundo ocidental, o controlo formal garantido pelo sistema penal assenta nesses dois pilares: a execução de penas e medidas em meio prisional e a execução na comunidade, ambos insubstituíveis e sistemicamente complementares. A Justiça não pode prescindir de qualquer deles. A ponte por onde passa o tráfego da execução das penas e medidas não suportaria, nem em mero ensaio de engenharia jurídica ou sociológica, perder um dos seus pilares: a construção ruiria e com ela a (re)acção penal e os equilíbrios sociais por si proporcionados.
Habituados a ouvir falar da sobrelotação prisional, fenómeno intenso nas décadas de 80 e 90 mas relativamente controlado nos últimos anos, os portugueses decerto se surpreenderão ao saber que o número de casos no sistema prisional é bem menor que os casos de execução na comunidade. Todavia, sucede que ambos os pilares do sistema penitenciário encontram-se já nos limites da sua capacidade e, em breve, entrarão em sobrecarga (para o quem contribuirá o impacto da crise económica que tipicamente gera um agravamento do fenómeno criminal).
Sendo improváveis investimentos massivos no sistema penitenciário nas suas duas vertentes, é no seu interior que terão que ser encontradas soluções que contribuam para a sua descompressão e equilíbrio. Os serviços da VE, justamente alojados no sub-sistema de execução de penas na comunidade, contêm potencialidades ainda mal rentabilizadas, dada a timidez das actuais soluções legislativas decorrentes da reforma penal de 2007.
A investigação internacional nesta área sugere um optimismo moderado quanto à capacidade de os sistemas de VE produzirem bons resultados na prevenção da reincidência, se associados a intervenções estruturadas na execução de penas na comunidade. Portugal está perto das melhores práticas europeias, tendo uma experiência escrutinada e validada internacionalmente: entre outros exemplos, a Conferência dos Ministros da Justiça Ibero-americanos indicou-a como exemplo de boas práticas a transferir para a América Latina, e a Noruega visitou-nos em 2010 procurando inspiração para os seus programas.
Portugal dispõe de um serviço de VE de elevada qualidade e com uma experiência de quase dez anos, hoje pronto para um realinhamento estratégico em função das necessidades do País, recorrendo às tecnologias instaladas e outras já previstas na lei. A VE poderá ser habilmente colocada ao serviço da descompressão do sistema penitenciário contribuindo para o alívio da pressão prisional. Então, o que fazer?
Necessitamos sofisticar a estratégia de prevenção da reincidência criminal associando a VE à liberdade condicional (LC). O regime de execução deste instituto incorporaria a VE ao estabelecer um período inicial de controlo musculado para estabilização do condenado no sempre difícil processo de transição do meio prisional para a liberdade, ainda que condicional. Deste modo, seria assegurada uma supervisão mais intensiva graças ao acréscimo da VE aos programas tradicionais de intervenção na execução da LC, reforçando a sua capacidade de contenção e o potencial de ressocialização. Estes factores ampliariam a confiança judicial na sua execução e, consequentemente, potenciariam o aumento do número de decisões de concessão de LC.
Necessitamos igualmente de alterações legislativas que alarguem a utilização da prisão domiciliária com VE permitindo que um maior número de casos de condenados por crimes menos graves sejam sujeitos a alternativas ao encarceramento por não necessitarem da intensidade do controlo prisional.
Estas duas modalidades de utilização da VE gerariam vagas no sistema prisional, isto é, um alívio controlado da pressão sobre as prisões. Por outro lado, as poupanças alcançadas nesta estratégia são um aspecto fundamental: a inexistência de infraestruturas, recursos humanos intensivos e logística complexa coloca o investimento na VE num patamar de muito baixa intensidade em comparação com os investimentos requeridos para construir uma prisão (muito alta intensidade) ou para reforçar o sistema tradicional de execução de penas na comunidade (média intensidade).
Esta estratégia é viável se se usarem as tecnologias adequadas e se se mantiverem íntegras as boas práticas acumuladas, os protocolos experimentados e o pessoal tecnicamente habilitado que tão boas provas tem dado. Ao ampliar o uso da VE na execução das penas comunitárias pode ser obtido o reforço da segurança na comunidade, a modernização do sistema penitenciário e da Justiça, a descompressão do sistema prisional e, ainda, assinaláveis vantagens sociais e financeiras.
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