No dia 23 de março, foi aprovado simbolicamente*, pela Câmara dos Deputados, substitutivo ao Projeto de Lei 7824/2010, que modifica a Lei de Execução Penal (LEP, lei 7210/1984), para permitir que presos tenham um dia de pena reduzido a cada 12 horas dedicadas a atividades de ensino. Como o texto foi alterado, o projeto deverá ser submetido à análise do Senado mais uma vez, antes de ser enviado para sanção presidencial.
A proposta amplia e legitima um direito já conferido pela Justiça: por meio de súmula, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já definiu que o ensino formal é, tal qual o trabalho, causa de remição de parte do tempo da pena. Como não está previsto em lei, a remissão da pena pelo tempo de estudo depende da avaliação dos juízes das varas de execuções penais, pendendo os recursos para apreciação do STJ.
De acordo com o novo texto aprovado, do deputado Amauri Teixeira (BA), presos em regime aberto ou semiaberto e os que estão em liberdade condicional poderão estudar em cursos presenciais ou à distância. Condenados que cumprem pena em regime fechado não estão autorizados a deixar o estabelecimento prisional, mas não deixam de ter a oportunidade de diminuir a pena: podem participar de atividades de trabalho e estudo restritas ao presídio, sendo permitido também o ensino à distância, conforme dispõe a emenda feita pelo deputado Fernando Francischini (PR).
O benefício não valerá para apenados por crimes hediondos ou equiparados. A emenda que proíbe a remição de pena por esses presos pelo trabalho ou estudo é do deputado Mandetta (MS). O Supremo Tribunal Federal já considerou matéria semelhante inconstitucional e, provavelmente, se manifestará contrariamente.
As horas de estudo deverão ser distribuídas em, no mínimo, três dias por semana, o que equivale a quatro horas diárias de atividade de ensino, que pode ser nos mais diversos níveis: fundamental, médio, superior, profissionalizante ou de requalificação profissional. Deve haver compatibilidade de horários para os presos que trabalharem e estudarem.
Os presos que forem autorizados a estudar fora da penitenciária deverá comprovar mensalmente aproveitamento e frequência escolar por meio de declaração emitida pela unidade de ensino. Caberá à diretoria do estabelecimento prisional encaminhar todo mês ao juízo de execução penal um registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, bem como dos dias de trabalho ou frequência em atividade de ensino de cada um. A diminuição da pena pelo trabalho ou estudo será declarada pelo juiz de execução penal.
Nos casos em que a remição de pena com o estudo foi permitida, a jurisprudência norteou sua aplicação. Contudo, ainda há divergência quanto à fixação do número de horas de estudo para reduzir um dia de pena. Na tentativa de suprir esta lacuna, o projeto disciplina a questão e também permite a contagem das 12 horas de atividade de ensino e de trabalho para todos os efeitos, como progressão de regime.
Dois pontos do projeto do Senado foram excluídos. Um deles permitia ao preso solicitar bolsa do ProUni (Programa Universidade para Todos) e o outro aumentava em 1/3 o tempo remido no caso de conclusão dos níveis de ensino fundamental, médio ou superior durante o cum-primento da pena.
O deputado Fernando Francischini apresentou a emenda que extinguiu a possibilidade do benefício por bolsa integral do ProUni: "Não tem dinheiro para pagar ProUni para todos e tem coisa no caminho antes (de atender o preso). Temos dificuldade para aumentar as verbas para o ProUni para atender o jovem carente", argumentou. Francischini também lamentou a não aprovação da emenda que exigia o acúmulo de 24 horas de trabalho para diminuir a pena em um dia. "O preso costura bola por duas horas e tem a diminuição de pena. Ele teria de trabalhar oito horas por dia, como qualquer trabalhador faz", afirmou.
Para a vice-presidente da Secretaria de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juíza Renata Gil, o projeto é “a primeira medida do Estado para incentivar a educação do preso”. A juíza ainda declarou que “o sistema como está não funciona, porque a vida do preso não muda no período em que ele cumpre. Ele sai de lá com os mesmos problemas sociais que tinha quando entrou”.
Dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional) revelam que, de todos os regimes, pouco mais de 40 mil condenados são estudantes, número que corresponde a apenas 8% da população carcerária. O nível de escolaridade da maioria dos presos é baixo, cerca de 66% deles não possuem o ensino fundamental completo.
O projeto de lei 7824/2010 seria uma forma de incentivá-los a buscar forma de educação, uma vez que poderão ser beneficiados com isso. Marivaldo Pereira, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, ressalta a necessidade de investimentos por parte dos governos: “analisando a situação atual dos presídios, é óbvio que será necessária adaptação para garantir esse direito”.
A iniciativa é louvável e tem potencial para melhorar as condições de reinserção dos presos no mercado de trabalho após o cumprimento da pena, uma vez que a falta de capacitação e a baixa escolaridade são empecilhos significativos para admissão de ex-detentos. De acordo com informações fornecidas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), apenas 15% das vagas oferecidas pelo Programa Começar de Novo foram preenchidas.
(Érica Akie Hashimoto). IBCCRIM
* Votação em que não há registro individual de votos. O presidente da sessão pede aos parlamentares favoráveis à matéria que permaneçam como se encontram, cabendo aos contrários manifestarem-se. Expediente geralmente usado para votação de projetos sobre os quais há acordo.
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